‘The Last of Us’: por que fungo real não transforma gente em zumbi

Na nova série The Last of Us, da HBO, grande
parte da humanidade vira zumbi após uma infecção Por um fungo virar pandemia. Mas será que existe a possibilidade de algo
assim acontecer no futuro? Sou André Biernath, da BBC News Brasil em
Londres, e neste vídeo vou conto, em 5 pontos, O que é realidade ou ficção na série. Spoiler: o fungo que causa a pandemia em The
Last of Us existe de verdade! Bom, vamos começar pelo enredo da série. The Last of Us é baseada numa série de jogos
para videogame. A história gira em torno de dois personagens
principais — Joel e Ellie — que se aventuram Por esse mundo pós-apocalíptico tomado por
zumbis. Essa pandemia fictícia começou em setembro
de 2013, a partir de uma mutação do fungo Cordyceps. O micro-organismo toma conta do sistema nervoso
da pessoa, gerando comportamentos bem agressivos. Com o passar do tempo, há perda da consciência
e da visão. O cenário pode até ser fantasioso, mas o
tipo de fungo representado na série existe De verdade. E na vida real, os gêneros Cordyceps e Ophiocordyceps
realmente transformam suas vítimas em zumbis. Para nossa sorte, os fungos deste gênero
são capazes de contaminar apenas formigas — e só algumas espécies. Outros fungos similares contaminam outras
espécies de insetos, de maneira parecida. Eles foram retratados num dos episódios da
série de documentários Planet Earth, da BBC. Os criadores do jogo de videogame disseram
que esse vídeo serviu de inspiração para Criar a história. Os esporos dessas espécies entram no corpo
da vítima, onde o fungo cresce e começa A sequestrar o sistema nervoso do hospedeiro,
até que ele perca o controle e seja compelido A subir para um terreno mais alto. O fungo parasita devora a vítima por dentro,
enquanto se prepara para um grande ato final. A cena é um pouco perturbadora: uma espécie
de tentáculo sai da cabeça da vítima. Essa estrutura do fungo espalha esporos em
tudo ao redor — o que condena outras vítimas Ao mesmo destino, se elas estiverem próximas
e forem infectadas. Mas os cientistas explicam que é quase impossível
ele fazer o mesmo com os seres humanos, já Que nosso cérebro e sistema imunológico
são muito mais complexos. Mas isso não quer dizer que a humanidade
esteja livre do risco de uma pandemia causada

Por fungos no futuro. A Organização Mundial da Saúde, inclusive,
publicou pela primeira vez no ano passado Uma lista de fungos com maior risco para a
saúde pública. Quem me explicou um pouco sobre esse universo
foi o médico Flavio Telles, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. É importante nós conhecermos que no planeta
Terra existem 5 milhões de espécies de fungos, 5 milhões mais ou menos. E destes, aproximadamente 500 são capazes
de causar algum tipo de doença em humanos. Desses 500 você reduz aí por uns 50 mais
importantes. Os fungos causam 300 milhões de infecções
graves e matam cerca de 1 milhão e 700 mil Pessoas todos os anos — cerca de três vezes
mais que a malária. Ah, e vale lembrar que os fungos são seres
muito complexos. Eles têm um reino próprio e são responsáveis
por decompor toda a matéria orgânica e manter O equilíbrio da natureza. Sabe aquele bolor que aparece numa fruta envelhecida? É causado por um fungo. Esses micro-organismos também são essenciais
para a produção de medicamentos, como os Antibióticos, e alimentos, como os pães,
os vinhos e as cervejas. Mas quais são as espécies que mais preocupam
os cientistas? Podemos destacar três:
A primeira delas é a Candida auris. Ela contamina o sangue, o sistema nervoso
e os órgãos internos. A OMS estima que metade das pessoas infectadas
por esse fungo morrem. O primeiro caso documentado foi no ouvido
de um paciente do Hospital Geriátrico Metropolitano De Tóquio em 2009, e desde então esse fungo
tem se espalhado pelo mundo, inclusive com Casos no Brasil. O fungo Candida auris é muito difícil de
ser combatido — algumas cepas são resistentes A todos os medicamentos antifúngicos que
temos. Por isso muitas vezes ela é chamada de "superfungo". A transmissão ocorre principalmente através
de superfícies contaminadas. Muitas vezes, a solução é fechar alas inteiras
de hospitais. O segundo da lista é o Cryptococcus. Ele é capaz de entrar no sistema nervoso
das pessoas e causar uma meningite devastadora. Em terceiro lugar, temos o Mucormycetes, que
causa uma doença gravíssima chamada mucormicose, Que ficou popularmente conhecida como fungo
negro.

Esse fungo ataca o rosto, os olhos e o cérebro
e pode ser fatal ou deixar as pessoas gravemente Desfiguradas. Durante a pandemia de covid, houve uma explosão
de casos de mucormicose na Índia. Mais de 4 mil pessoas morreram por lá. Acredita-se que o enfraquecimento do sistema
imunológico das pessoas e os altos níveis De diabetes na Índia ajudaram na proliferação. Mas vamos falar um pouco de características
que facilitariam ou dificultariam uma pandemia Causada pelos fungos. Primeiro, os fatores que dificultam uma crise
de saúde nos moldes do The Last of Us. Ponto um: a ação de nosso sistema imune. Atualmente, os fungos causam quadros mais
graves em pessoas com o sistema imunológico Comprometido, como pacientes em tratamento
contra o câncer, indivíduos HIV positivo Ou quem acabou de passar por um transplante. Nós temos contato com esses micro-organismos
o tempo todo, e na maioria das vezes nossas Células de defesa são capazes de evitar
algo mais sério. Ponto dois: as formas de transmissão. Os vírus e as bactérias passam de pessoa
para pessoa a partir do contato com saliva, Fezes e outros materiais contaminados. Isso facilita a passagem desses patógenos. Já os fungos são aspirados direto do ambiente,
e você precisa ter um contato relativamente Próximo com os esporos, como me explicou
a farmacêutica Kelly Ishida, do Instituto De Ciências Biomédicas da USP. A gente fala que uma partícula fosca já
é suficiente para infectar o pulmão de um De um indivíduo, mas esse indivíduo, ele
não vai infectar o próximo quando respirar Próximo de uma pessoa. Então, que é um pouco mais difícil essa
questão da transmissão interpessoal, porque Pandemia já é um pouco mais complicado. Bom, vamos falar agora dos dois fatores que
poderiam facilitar uma pandemia causada por Esses micro-organismos. Primeiro, a capacidade de adaptação. Os fungos estão em constante transformação
e conseguem sobreviver e proliferar diante De situações difíceis. Um exemplo disso é o próprio fungo Candida
auris. Ele nem era um problema há algumas décadas,
mas ganhou a capacidade de se alastrar em

Temperaturas mais altas, cada vez mais compatíveis
com a temperatura do corpo humano. E isso é uma preocupação, já que vivemos
num período de mudanças climáticas e aumento Das temperaturas globais. Isso é algo que aparece em The Last of Us. Na história fictícia, o Cordyceps ficou
resistente a temperaturas mais altas. Com isso, passa a sobreviver no organismo
humano com mais facilidade. Segundo, a resistência aos medicamentos. São poucos os remédios antifúngicos disponíveis
no mercado — e algumas espécies conseguem Cada vez mais escapar da ação deles. Para piorar, os mesmos produtos são usados
em larga escala na agricultura, para prevenir Infestações de fungos nas plantações. E isso estimula ainda mais a resistência
de alguns deles a essas substâncias. Bom, diante de tudo isso, os especialistas
com quem eu conversei dizem que uma pandemia Causada por fungos é um tanto improvável,
mas não impossível. Veja o que diz o microbiologista Marcio Rodrigues,
da FioCruz Paraná. Há dez anos atrás era completamente improvável
o aparecimento de patógenos como a Candida Auris. As alterações climáticas e o aquecimento
global proporcionaram a emergência desse Patógeno e hoje ele é uma realidade que
nós não sabemos tratar. Então, para ser objetivo e receber e te responder
diretamente, a possibilidade hoje é uma possibilidade, Não uma probabilidade, mas que tem que ser
monitorada continuamente, porque se se impõe Alterações ambientais, climáticas, a emergência
de um novo patógeno, fúngica ou de outra Natureza é totalmente possível e está associado
com outras questões, como o aumento da temperatura Global. E isso a gente pode discutir com calma, mas
hoje não é um quadro provável, porém possível, E que se não for monitorado com atenção
continuamente, pode se pode sim, acontecer. Para evitar que esse drama saia da ficção
e vire realidade, precisamos justamente de Mais investimentos em pesquisas para estudar
esses patógenos e as possíveis formas de Prevenir, diagnosticar e tratar as infecções
causadas por eles. Bom, com isso eu fico por aqui e espero que
você tenha gostado do vídeo. Um abraço e até a próxima.