Por que juros reais no Brasil são os maiores do mundo, mesmo com corte na Selic
O Brasil ainda lidera com folga o ranking
internacional de taxas de juros reais no mundo, Mesmo com a decisão do Copom, o Conselho
de Política Monetária do Banco Central, De baixar a taxa básica de juros
da economia brasileira, a Selic. Agora, a Selic entra numa aparente
tendência de baixa nos próximos meses, Mas a posição do Brasil nesse ranking
não deve mudar tão rapidamente. Eu sou Daniel Gallas, da BBC News Brasil, e
neste vídeo explico a combinação de fatores Bem específicos da economia brasileira
por trás dos juros tão altos. Primeiro, vamos relembrar como começou o ciclo
de juros altos que agora dá sinais de que vai Ser revertido. Estávamos em março de 2021,
quando o maior problema da economia global, Em plena pandemia de covid-19, era a disparada da
inflação. O Brasil foi uma das primeiras grandes Economias mundiais a subir seus juros, que
em apenas 18 meses pularam de 2% para 13,75%. Na época o movimento foi elogiado por
diversos economistas, pois os juros São o principal instrumento das autoridades para
enfrentar a inflação alta, ao conter o crédito. No momento atual, a alta de preços continua sendo
um problema global por conta da guerra da Ucrânia, Mas a inflação dá sinais de estar
enfraquecendo no Brasil. Como resultado, O país começa a reduzir sua taxa
básica de juros em um momento em Que muitos países ainda estão no seu ciclo
de alta — na semana passada, por exemplo, O banco central dos Estados Unidos
aumentou a taxa básica americana. Mas como então é que o Brasil ainda
é o campeão mundial dos juros altos? Segundo ranking do site MONEY YOU de junho, O Brasil tem os maiores juros reais
entre as 40 principais economias. Antes da decisão do Conselho de
Política Monetária deste 2 de agosto, O juro real brasileiro era de 7,54% — acima de
México, Colômbia e Chile. Nos Estados Unidos e Na China, os juros reais estão abaixo de 2%, e
em grande parte da Europa eles são negativos. Lembrando que estou falando aqui de juros reais, Ou seja, que já desconta o
efeito da alta dos preços. Em um exemplo simples: a inflação brasileira
deve ficar em torno de 4% nos próximos 12 Meses. E a taxa Selic — que baliza os juros
no Brasil — está agora perto de 13%. Ou seja, O juro real que os brasileiros pagam
é teoricamente próximo de 9% a 10%. Eu digo teoricamente porque, na prática, os
brasileiros pagam juro praticado pelo mercado, Que é mais elevado que a taxa Selic.
Eu vou me aprofundar mais nisso já já. Por enquanto, o importante é lembrar
que o Brasil está com uma inflação Anual abaixo de países como Alemanha,
Reino Unido e França — mas sua taxa Básica de juros é maior do que
a de todos esses países somados.
Há países com taxas de juros nominais
muito maiores do que o Brasil, Como é o caso da Argentina. Mas como a inflação
lá nos últimos 12 meses foi de 116%, na prática O juro efetivamente pago pelos argentinos
— o juro real — acaba ficando negativo. Para quem empresta dinheiro no Brasil, juro
alto é bom negócio. Um investidor que aplica Seu dinheiro hoje pela taxa básica da economia
tem um ganho real em média 10% acima da inflação. Mas isso também significa que os
brasileiros e as empresas que pegam Empréstimos precisam pagar muito mais
caro do que no resto do mundo. Por isso, Empresários costumam criticar
ciclos de juros altos. E a esta altura talvez você se pergunte: Se os preços pararam de subir, por que
os juros brasileiros seguem tão altos? A queda da inflação ajuda a baixar os juros, mas
existe um limite de até onde eles podem cair. Esse limite é conhecido como juro neutro ou juro
de equilíbrio — que é o patamar onde a economia Estaria crescendo com seu maior potencial,
com desemprego baixo e preços estáveis. Economistas estimam que o juro de
equilíbrio do Brasil é próximo de 4,5%. Ou seja, mesmo que o Brasil não
tivesse nenhuma inflação em um período De um ano (algo inédito no país), os juros
nunca cairiam para baixo desse patamar. Esse juro neutro estimado
do Brasil é quase o dobro De quase todas as grandes economias
— mesmo as emergentes, como Chile, Colômbia, México e África do Sul, segundo
me explicou o economista Braulio Borges. Por quê? Os economistas que eu ouvi dizem que o Juro neutro brasileiro é alto por causa
do elevado endividamento público do país, Que neste ano deve chegar perto de
61% do PIB, o Produto Interno Bruto. O problema é que o governo toma
muitos empréstimos (ou seja, Emite dívida pública) para
pagar suas muitas despesas. Esse alto endividamento fez com que o Brasil
perdesse em 2015 o chamado "grau de investimento" — que é uma classificação dada por agências
internacionais de risco. Elas avaliam a capacidade Que os governos têm de pagar suas dívidas baseado
no tamanho dessa dívida e nas receitas do país. Em países onde os riscos de
não-pagamento são maiores, Os juros sobem, para refletir
esse aumento no risco. Outros países emergentes — como Chile,
México e Colômbia — ainda possuem grau De investimento, e por isso
seus juros são mais baixos que no Brasil. Há momentos em que o endividamento
brasileiro cai — logo depois de reformas, Por exemplo — e isso ajuda a baixar as
estimativas do juro neutro . Mas não é só o juro neutro que faz do
Brasil um país mais caro do que os demais.
O Brasil é campeão de outro ranking mundial
— e um ranking que é particularmente dolorido Para pessoas comuns e empresários
que precisam de crédito no dia-a-dia. Eu me refiro ao "spread bancário"
— que é a diferença entre os juros Que os bancos pagam e o que
eles cobram de seus clientes. Os bancos pegam dinheiro emprestado pagando juros
próximos da Selic, em torno de 13%. Mas na hora De emprestar dinheiro — para pessoas que querem
comprar casas e carros ou empresários que querem Investir em seus negócios, por exemplo — os bancos
cobram juros exorbitantes, acima de 30% ou 40%. E para quem tem cartão de crédito
ou fica no cheque especial no banco, Os juros são ainda mais exorbitantes: e podem
chegar em alguns casos ultrapassar 150% ao ano. Um ranking do Banco Mundial de 2020
mostra que o Brasil fica apenas atrás De Madagascar entre os países com
maior spread bancário do mundo. No Brasil, as pessoas estão pagando juros de 26
pontos percentuais a mais do que a taxa básica Da economia. A média dos países emergentes é
de apenas 6 pontos percentuais de diferença. Economistas dizem que há diversos fatores
para o spread bancário ser tão alto. Primeiro, A concentração do mercado bancário, ou seja, Poucos bancos competindo entre si. Outro
motivo é que, em situações de calote, Os bancos em geral conseguem recuperar muito
pouco do valor que foi emprestado. E se o Risco de se emprestar dinheiro no Brasil é maior,
isso se reflete numa taxa de juro maior. Para concluir, vale lembrar que os juros
altos costumam provocar muita discussão. De um lado, ele ajuda a conter a inflação,
um problema que traz problemas sérios para A população, principalmente a mais
pobre, ao corroer o poder de compra. Mas empresários, governantes e a população em
geral reclamam que uma dosagem exagerada de Juro traz problemas tão ou mais sérios do que
a inflação. Os empréstimos ficam caros demais, As famílias e as empresas se endividam
mais, e o consumo e o investimento caem. Desde 2021, o Copom tem autonomia
em relação ao governo federal para Decidir a taxa de juros. Neste ano, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez Várias críticas ao presidente do Banco
Central, que mesmo diante de sinais de Arrefecimento da inflação vinha defendendo a
manutenção da taxa Selic em um patamar alto. E será que dá pra manter a Selic baixa no longo prazo? Braulio Borges lembra que o Brasil já conseguiu
baixar muito os juros no começo deste século, Que na época estavam em um patamar alto porque
o país tinha alto endividamento externo. O Brasil se tornou credor internacional, em vez de
devedor, e aumentou o tamanho de suas reservas. Em comparação, a Argentina hoje tem
juros e inflação estratosféricos por Conta desses problemas externos, que
o Brasil resolveu há duas décadas.
Para baixar ainda mais os juros, acredita Borges, O Brasil precisa se comprometer com o combate
ao endividamento público e precisa seguir com Reformas microeconômicas, como o chamado
marco legal das garantias de empréstimos (um projeto de lei que está tramitando e que
pode reduzir o custo de crédito no Brasil). E mesmo com os juros básicos em queda,
por conta da desaceleração da inflação, Economistas lembram que
ainda há riscos no horizonte. A economista Myria Bast lembra que no
resto do mundo, muitos países ainda Não encerraram seus ciclos de aumento de
juros. Alguns — como Estados Unidos e Reino Unido — seguem subindo suas taxas, porque
as previsões de inflação não estão caindo. Segundo ela, se a inflação mundial não se
desacelerar e lá fora os juros não começarem A cair, dificilmente o Brasil conseguirá
manter seu ciclo de baixa por muito tempo. Ou seja, os juros ainda vão provocar
debates por muito tempo. A gente vai Seguir acompanhando por aqui. Obrigado
pela audiência e até a próxima.