Por que apêndice não é tão inútil quanto se acreditava
A gente se acostumou a pensar no apêndice
como a parte mais irrelevante do corpo humano. Por séculos, esse órgão cilíndrico, De 10 centímetros e ligado à primeira parte
do intestino grosso, intrigou os cientistas. Para que serve, afinal?
Em 1871, no livro A Origem do Homem, Charles Darwin propôs a hipótese de que o
apêndice não tinha nenhuma função: teria Perdido a razão de existir ao longo da evolução
humana, por mudanças na dieta ou nos hábitos. Possivelmente é isso que você aprendeu na escola.
Mas esse conhecimento evoluiu nos séculos 20 e 21, à medida que foram desenvolvidas técnicas
para observar nossos órgãos mais de perto. Sou Camilla Costa, da BBC News Brasil, e neste
vídeo eu vou contar algumas das descobertas Mais recentes, que mostram que o apêndice
tem muito mais utilidade do que se pensava. A ponto de ele ser parte de pesquisas
inovadoras sobre a microbiota intestinal E sua relação até mesmo com doenças do cérebro. Uma curiosidade: ao longo da história, cientistas
elaboraram teorias bizarras sobre o apêndice. Inclusive Leonardo Da Vinci, que
levantou a hipótese de que o órgão Serviria para reter o excesso de gás
e evitar que os intestinos e o cólon Explodissem durante crises de prisão de ventre.
Em 1579, o botânico suíço Caspar Bauhin especulou Que talvez o apêndice fosse um receptáculo
para as fezes do feto durante a gestação. A palavra "apêndice" foi usada pela primeira
vez em 1553 pelo belga Andreas Vesalius, Considerado por muitos o pai da anatomia
moderna. Ele comparou o órgão a uma minhoca. Mas a grande descoberta
veio recentemente, em 2007. Uma equipe da Universidade Duke,
nos Estados Unidos, descobriu Que o apêndice tinha uma rica biopelícula.
Estou falando de uma capa de bactérias benéficas, Daquelas que vivem em nosso intestino,
formam nossa flora intestinal e ajudam A extrair energia e nutrientes dos alimentos.
Além disso, quando essas bactérias digerem fibra, Produzem ácidos graxos de
cadeia curta que podem cruzar Para a corrente sanguínea e proteger o cérebro.
O misterioso e desdenhado apêndice passou, Então, a ser visto como um reservatório
dessas bactérias boas, que ficam guardadas E prontas para repovoar o intestino quando
as perdemos em episódios de diarreia ou de Ingestão de antibióticos, por exemplo.
Isso era algo que Charles Darwin jamais Poderia ter adivinhado, já que viveu muito
antes que a ciência reconhecesse a existência Do microbioma humano.
E tem mais! Pesquisas mostram também que o
apêndice tem uma alta concentração De tecido linfoide associado ao intestino.
E o que esse tecido faz é avisar o sistema Imunológico caso o sistema gástrico seja
invadido por algum patógeno prejudicial.
Na prática, o GALT é um fluxo de informação que Sai do intestino e pede ajuda
para o sistema imune do corpo. Agora, o apêndice é foco de estudos que tentam
compreender melhor sua função. Um deles, Publicado em julho de 2021 por pesquisadores
do Instituto de Saúde e Pesquisas Médicas da França e do Museu Francês de História
Natural, analisou dados em 258 espécies De mamíferos e viu que a presença do apêndice
pode estar relacionada a uma maior longevidade. E o mais interessante é que algumas pesquisas
sugerem uma conexão entre o intestino e o cérebro. John Cryan, da Universidade College
Cork, na Irlanda, explica que uma das áreas mais empolgantes da ciência do cérebro e da
neurologia no momento é a crescente percepção dos Intestinos e da microbiota intestinal nas doenças
neurodegenerativas, inclusive o mal de Parkinson. O médico explica que estudos recentes de
neuroimagem sugerem que existem dois tipos De mal de Parkinson: um em que a neurodegeneração
começa no próprio cérebro. E outro que talvez se Origine no sistema digestivo, com o acúmulo
de uma toxina proteica que se desloca ao Cérebro e causa a degeneração cognitiva.
As pesquisas ainda não são conclusivas, E muitas até trazem resultados contraditórios até
agora. Mas, segundo John Cryan, uma coisa é clara: Não podemos ignorar o apêndice nos estudos
que avaliam os elos entre cérebro e intestino. Mas os cientistas também descobriram algo
que os pegou de surpresa: suas pesquisas Foram utilizadas de modo equivocado por
pessoas contrárias à teoria da evolução. Isso porque essas pesquisas científicas que
eu mencionei aqui identificaram um erro nos Escritos de Charles Darwin – aquela ideia de
que o apêndice era um resquício da evolução. Alguns criacionistas, que defendem a doutrina
de que Deus criou o mundo a partir do nada, Se aproveitaram disso para dizer que a
teoria da evolução de Darwin estava errada. Mas não é nada disso.
Heather Smith, da Universidade de Midwestern, Nos Estados Unidos, diz que Darwin de fato errou
ao supor que o apêndice fosse vestigial. Mas ela Esclarece que isso de forma alguma significa
que ele estivesse errado sobre a teoria da Evolução humana a partir da seleção natural.
Na verdade, as próprias pesquisas da Heather Smith demonstraram que, longe de derrubar a
teoria da evolução, as descobertas sobre o Apêndice confirmam o que foi dito por Darwin.
Vou explicar: em 2017, Heather Smith e Seus colegas decidiram comparar o apêndice
humano com o de 533 espécies de mamíferos. Revelando uma história de mais de 80 milhões
de anos, eles construíram uma espécie de grande árvore genealógica dos mamíferos, com a qual é
possível mapear dados e estimar quantas vezes As espécies evoluíram em uma característica
em particular – neste caso, no apêndice. O que eles descobriram é que o
apêndice evoluiu ao redor de 30 Vezes ao longo da evolução dos mamíferos.
Para os pesquisadores, isso significa
Que o órgão cumpre uma função importante.
Em termos evolutivos, se um órgão aparece, Permanece e não desaparece, temos um bom
indicador de que ele é útil de alguma Maneira. Mais ainda se isso acontece em
várias linhagens de mamíferos diferentes. Talvez a esta altura você esteja se perguntando:
e quem não tem apêndice, está pior por isso? Tem pessoas que nascem sem apêndice. E
tem pessoas que Precisaram extirpar o órgão por causa da
apendicite. Essa inflamação precisa ser Tratada com urgência, porque pode levar à morte.
A apendicite afeta de 5 a 9 por cento das pessoas, Segundo estimativas dos Institutos
Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. Há estudos que questionam se todo caso de
apendicite precisaria ser resolvido com cirurgia, Mas usar antibióticos ainda não
é considerado uma opção segura. Então tem bastante gente vivendo
muito bem, obrigado, sem o apêndice. Mas alguns estudos da Universidade Duke
identificaram que as pessoas sem apêndice tendem A ter risco maior de uma infecção bacteriana
desagradável e perigosa: Clostridium difficile, Que causa quadros graves de diarreia.
Mas nada nas descobertas científicas recentes Indica que a cirurgia de remoção do apêndice
tenha um efeito sobre a longevidade dos pacientes. Na verdade, a apendicite na juventude – tratada
com a cirurgia de remoção – é tida como benéfica, Inclusive ajudando a ensinar o
sistema imunológico a combater Infecções posteriores com mais eficiência.
O que a história recente desse pequeno Pedaço da nossa anatomia nos ensina
é que o corpo humano é extremamente Complexo – e ainda nos resta muito a compreender.
Para terminar este vídeo, mais uma curiosidade: Tem um lugar do mundo em que você só pode
morar se tiver extraído seu apêndice. Estou falando de Vila das Estrelas,
um assentamento chileno na Antártida Onde cientistas, militares e muitas
vezes suas famílias chegam a passar Alguns anos, sob condições bastante inóspitas.
Como o assentamento é muito isolado e as equipes Médicas não têm a capacidade de tratar emergências
médicas severas como uma apendicite, quem tem Apêndice simplesmente não pode permanecer ali.
Por hoje eu fico por aqui, espero que Você tenha achado este vídeo interessante.
Depois, dá uma olhada no nosso canal no YouTube, Que temos vários vídeos de vários assuntos.
Até a próxima, tchau!