Os movimentos de Bolsonaro depois da derrota para Lula
Um estilo nada discreto de governar
marcou a presidência de Jair Bolsonaro. Nos últimos quatro anos, o Brasil acompanhou
diariamente declarações e aparições, seja na Porta do Palácio do Alvorada, em motociatas
pelo país ou em lives nas redes sociais. Mas, desde que perdeu a eleição, Bolsonaro
praticamente saiu de cena. Mais de três semanas Após a derrota, ele havia feito apenas dois
pronunciamentos, que somaram menos de cinco Minutos, e ido três vezes ao Palácio do Planalto,
que é o seu local oficial de trabalho. Também deixou de conversar com apoiadores
na porta do Palácio do Alvorada, Algo que fazia quase que diariamente, e até
sua presença nas redes sociais encolheu. Alguns críticos têm desconfiado do
silêncio. Acusam Bolsonaro de tentar Costurar nos bastidores uma espécie
de conspiração para tentar anular A eleição. Essas críticas ganharam
fôlego quando Bolsonaro apresentou, Junto com seu partido, o PL, um pedido para
invalidar 59% dos votos do segundo turno. Eu sou Mariana Schreiber, repórter
da BBC News Brasil, e nesse vídeo Vou tentar explicar o que pode estar
por trás do silêncio de Bolsonaro. Já ouviu falar em pato manco?
É a tradução para lame duck, Expressão usada nos Estados Unidos para se referir
ao presidente em final de mandato – ou seja, Um mandatário que ainda está no cargo, mas
com seu poder e prestígio esvaziados. Não temos uma expressão equivalente
no Brasil, mas o que se vê hoje na Presidência é uma versão ainda mais esvaziada
do que seriam as últimas semanas do mandato De um presidente. Desde que perdeu a
eleição, Bolsonaro se recolheu. Além disso, Bolsonaro foi diagnosticado com
erisipela, uma infecção bacteriana nas pernas, Logo após a eleição. De acordo com
seu vice, o general Hamilton Mourão, A doença o impedia de vestir calças
e seria o motivo de o presidente Ter passado quase 20 dias sem sair do
Palácio do Alvorada, sua residência. No dia 16 de novembro, por exemplo, Mourão
assumiu a tarefa de receber cartas credenciais De embaixadores estrangeiros no Brasil, protocolo
que costuma ser realizado pelo presidente. Dois dias depois, o general Braga Netto,
que concorreu a vice na chapa de Bolsonaro, Disse a apoiadores que o presidente estaria
bem, recebendo visitas no Alvorada. Seja pelo abatimento pós derrota ou por questões
de saúde, o fato é que Bolsonaro teve, em média, Menos de duas horas de compromissos oficiais
por dia útil desde 31 de outubro, primeiro Dia após a derrota para Lula. É o que mostra
levantamento a partir de sua agenda pública. E todos esses compromissos foram reuniões fechadas Com integrantes do governo ou aliados
políticos, quase sempre no Alvorada. O presidente esteve apenas três
vezes no Palácio do Planalto,
Primeiro em uma reunião com Paulo Guedes em
31 de outubro. Depois no dia 3 de novembro, Quando se encontrou brevemente com o
vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, Fora da agenda oficial. E voltou só no dia 23,
quando sua agenda registrou apenas um encontro Com seu ex-ministro e agora senador
eleito, Rogério Marinho. Fora isso, fez duas aparições públicas
no dia primeiro de novembro. Primeiro, Pra um pronunciamento de cerca de dois
minutos, em que não mencionou diretamente Lula nem reconheceu a derrota, como é
praxe em países democráticos. E depois Em um encontro com ministros do Supremo
Tribunal Federal na sede da Corte. No curto pronunciamento, Bolsonaro
legitimou protestos que bloqueavam Estradas pelo país ao dizer que aqueles
movimentos populares eram “fruto de Indignação e sentimento de injustiça, de
como se deu o processo eleitoral”. São atos considerados antidemocráticos que
frequentemente pedem intervenção militar Contra o resultado das eleições. Por outro lado,
repudiou em sua fala práticas como “invasão de Propriedade, destruição de patrimônio e
cerceamento do direito de ir e vir”. No dia seguinte, 2 de novembro, fez outro
rápido pronunciamento nas redes sociais, Com teor semelhante. Disse que entendia os
manifestantes, que também estava triste, Afirmou que os protestos eram legítimos,
mas pediu a liberação das estradas para Não afetar a economia e o direito de
ir e vir da população. Mais uma vez, Não reconheceu a vitória de Lula nem repudiou
a contestação do resultado eleitoral. Nesse período de reclusão, o
presidente faltou, inclusive, A dois grandes encontros internacionais: a
Cúpula do Clima realizada pela ONU no Egito, Da qual Lula participou com destaque. E também
deixou de ir à Indonésia para a Cúpula do G20, Reunião das maiores economias do mundo. Não é de hoje que Bolsonaro é
criticado por ter uma agenda Pouco carregada de compromissos oficiais. Um
levantamento liderado por Dalson Figueiredo, Professor de Ciência Política da Universidade
Federal de Pernambuco, divulgado em abril, Mostrou que, desde sua posse até fevereiro
deste ano, o presidente havia trabalhado, Em média 4,8 horas por dia útil, considerando os
compromissos públicos divulgados em sua agenda. Isso não incluía lives nas redes
sociais nem compromissos de campanha, Que não havia começado naquela época. Segundo a cientista política Beatriz Rey, é natural que um governo perca ritmo quando o
presidente está próximo de deixar o cargo. Ela considera, porém, que a ociosidade de
Bolsonaro nas últimas semanas é anormal e Ainda pior que o comportamento do
ex-presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, que também não reconheceu
a derrota em 2020 para Joe Biden. Agora, para mim, o que essa reclusão mostra
é que realmente ele não é digno do cargo Que ele ocupa. Porque ocupar a Presidência da
República significa respeitar a instituição da Presidência da República, o que ele não estava
fazendo. Essa reclusão dele é um desrespeito, Na minha visão, à instituição da
Presidência da República. E Bolsonaro não reduziu apenas os compromissos
públicos. Sua presença nas redes sociais, Vista como um trunfo político, também despencou.
O presidente interrompeu, por exemplo, o hábito De realizar uma live todas as quintas-feiras
à noite, momento em que comentava medidas do Governo e temas da semana, além de atacar
adversários. Crítico do papel da imprensa, Ele usava essa transmissão como um canal
direto de comunicação com seus apoiadores, Sem precisar responder perguntas de
jornalistas sobre temas incômodos. Até a manhã de 24 de outubro, foram apenas três
mensagens compartilhadas no feed do Twitter, Duas no do Instagram e quatro no do Facebook, Redes que o presidente costumava
atualizar quase todos os dias. Desde a derrota, Bolsonaro tem priorizado
outros canais, como o Tik Tok, em que vem Compartilhando basicamente vídeos com
imagens suas em fundo musical. Apesar de não haver qualquer fala do presidente,
apoiadores tentam desvendar nas imagens possíveis Mensagens subliminares. Em um desses vídeos, por
exemplo, em que Bolsonaro aparece abraçado com Pessoas fantasiadas de power rangers,
personagens de um programa infantil, Uma pessoa sugere que isso representaria o
apoio dos super-heróis das Forças Armadas. Já no Telegram, desde 7 de novembro
ele tem feito atualizações diárias, Com mensagens focadas em divulgar
feitos do seu governo. O mesmo na sua conta no Linkedin, rede
voltada para o mercado de trabalho. Lá, Atualizações frequentes também
destacam ações da sua gestão. Sua presença mais forte no Linkedin até
provocou piadas de que estaria procurando Um novo emprego. Seu futuro, porém, já estaria
acertado com a direção do PL, seu partido. Segundo notícias da imprensa brasileira, Bolsonaro
terá um cargo remunerado na sigla, que bancará com Recursos do fundo partidário também o aluguel
de uma casa e de um escritório para ele em Brasília. O valor do salário não foi divulgado.
Sua renda deve ser complementada com Duas aposentadorias que Bolsonaro tem
direito a acumular e somam R$ 42 mil. Uma ele já recebe, de quase R$ 12 mil, como
capitão reformado do Exército. A outra, De cerca de R$ 30 mil, Bolsonaro tem direito
pelos quase trinta anos que atuou como Deputado federal. Ele já disse que pretende
solicitar essa aposentadoria quando deixar A Presidência. O acúmulo de aposentadorias
é permitido pela legislação brasileira.
A reclusão, para alguns aliados, seria
“estratégica”, para organizar a oposição Ao futuro governo Lula, ao mesmo tempo que tenta
reverter a derrota, repetindo os argumentos de Que as urnas eletrônicas não seriam seguras
– apesar de a lisura das eleições ter sido Confirmada por entidades como o Tribunal de
Contas da União, a Ordem dos Advogados do Brasil e observadores internacionais, como
a Organização dos Estados Americanos. Na última semana, o PL, partido de Bolsonaro,
ingressou com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral pedindo a invalidação de 59% dos votos
do segundo turno das eleições. A justificativa é De que havia, entre aspas, “inconsistências”
nos arquivos gerados pelas urnas fabricadas Antes de 2020. Essa suposta inconsistência se
refere ao arquivo log – um tipo de arquivo que Registra todo o funcionamento da urna, quando ela
foi ligada e acessada, por exemplo. Segundo o PL, O problema seria que as urnas mais antigas não
teriam gerado arquivos de log que permitam saber, Pelo conteúdo de um campo específico do
arquivo, a qual urna ele se refere. Mas o meu colega Leandro Prazeres conversou
com especialistas em segurança eleitoral, Inclusive com alguns que testaram as urnas
eletrônicas brasileiras. E eles dizem que Esse relatório do PL é falho. Bastaria abrir
os arquivos de log para encontrar outras Informações precisas que também permitem
identificar a qual urna ele pertence. E nada disso significa que houve qualquer
adulteração ou erro de contagem de votos. Além disso, esses especialistas questionam
por que o PL focou apenas na eleição De Bolsonaro no segundo turno, sendo que
as mesmas urnas foram usadas no primeiro Turno das eleições – quando 99 deputados
federais do próprio partido foram eleitos, Formando a futura maior bancada da Câmara. Os jornalistas perguntaram isso durante
uma coletiva com o Valdemar Costa Neto, Presidente da legenda, mas ele não respondeu. Aliás, o ministro Alexandre
de Moraes, presidente do TSE, Reagiu ao pedido do PL dizendo que a ação só
teria validade se abrangesse também o primeiro Turno. O desdobramento mais recente desse
caso é que Alexandre de Moraes multou o PL E os outros dois partidos da coligação que
apoiou a reeleição de Bolsonaro – o PP e o Republicanos – em quase 23 milhões de reais e
suspendeu o fundo partidário das três legendas. A justificativa é que teria havido
litigância de má-fé no pedido do PL, Ou seja, a Justiça teria sido acionada
de forma irresponsável pelo partido. Com tudo isso, é pouco provável que o pedido do PL Invalide o resultado das eleições
de 30 de outubro, então talvez você Esteja se perguntando qual é o cálculo
do partido ao questionar as urnas. Há relatos de que Bolsonaro pressionou
o PL a ingressar com essa ação no TSE
Com objetivo principal de manter seus
apoiadores mais fiéis engajados. Assim, mesmo que não consiga reverter
o resultado, manteria uma base de apoio Mobilizada para liderar a oposição a Lula.
Já observadores críticos veem uma tentativa De Bolsonaro de manter seu poder de barganha
político. Algo que pode ser útil tanto em uma Futura candidatura quanto, por exemplo,
em possíveis batalhas na Justiça. Com isso eu fico por aqui, obrigada
pela audiência e até a próxima!