Ministro de Lula quer debate sobre descriminalização de drogas para reduzir população carcerária
Olá, meu nome é Leandro Prazeres, eu sou
correspondente da BBC News Brasil aqui em Brasília e hoje nós estamos entrevistando o
ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida. Ministro, muito
obrigado pela sua presença aqui. Obrigado, Leandro. Eu queria lhe perguntar o seguinte: tem uma ação
que tramita no STF, já está parada há alguns anos Para rever… que discute a descriminalização das
drogas no Brasil. O senhor é a favor de o governo, De alguma forma, conversar com o STF?
O governo vai conversar com o STF para Que essa ação seja julgada logo?
Eu, particularmente, sou favorável Que essa ação ser julgada e que essa
questão ela seja resolvida no Brasil. O senhor é a favor da
descriminalização das drogas? Sou a favor, sou a favor. Acho que,
como eu falei, a guerra às drogas é Um prejuízo mortal. A guerra às drogas é
muito pior do que qualquer outro efeito que Se possa pensar. Nós temos que pensar
seriamente nisso, com responsabilidade, Com cuidado. Mas eu acho que a guerra às
drogas, a forma com que se combate às drogas, O uso especialmente, ele causa prejuízos
irreparáveis à sociedade brasileira. Agora, o governo está se
mobilizando para conversar Com o STF para que essa ação seja pautada? Não, não existe. Não existe nenhuma questão
relativa isso, até porque isso é parte do Ministério da Segurança Pública. Não faz parte
do Ministério dos Direitos Humanos mas faz parte Do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O que o Ministério dos Direitos Humanos faz, De fato, é pensar os efeitos disso e pensar
como pode ser feita uma política nacional Que envolva um debate sério a respeito dos
efeitos perversos do encarceramento, que, Obviamente, é algo que deve ser conversado
justamente com o Ministério da Justiça e Segurança Pública e com outros ministérios, o da
Saúde, que eu acho que é fundamental que esteja Dentro dessa conversa para que a gente possa
pensar os efeitos perversos do encarceramento. Sobre esse assunto, só pra finalizar,
na sua opinião, a descriminalização das Drogas contribuiria positivamente para o
problema, por exemplo, do encarceramento? Sim. Pautado na experiência, na experiência de
outros países. A gente tem que tratar essa questão Como uma questão, uma questão de saúde
pública, uma questão que não se resolve Por meio de encarceramento, com prisão e com
punição. Eu acho que as pesquisas mostram isso, Mas como falei, é um debate que tem que se
fazer. É um debate muito sério, muito complexo que se Tem que fazer com a sociedade brasileira em
termos educacionais, em termos pedagógicos. O senhor acha que a sociedade brasileira
hoje está preparada para isso? Não está preparada, mas é tarefa do
Estado brasileiro, do governo brasileiro,
Preparar a sociedade para isso. Uma vez
que a gente está falando de ciência não, é uma questão…. não é achismo. Não é
uma questão… não é uma opinião. Ou seja, Os estudos demonstram o quanto a
guerra às drogas é prejudicial e Potencializa cada vez mais a violência na
sociedade, nas periferias, nas favelas. Mas aí, para fazer um contraponto nisso
também há estudos que mostram que a Utilização indiscriminada de drogas
causa prejuízo à saúde das pessoas. Descriminalização de drogas não significa,
não significa que, de fato, não possa haver Um controle sobre isso. Isso que são assuntos
diferentes. A gente não pode confundir controle, Regulação com a questão criminal. Ou seja, o que a
gente está fazendo agora é simplesmente confundir Regulação, confundir controle com lei penal.
E não é assim que as coisas funcionam. Então, O que o que estou dizendo é o seguinte: nós
precisamos estabelecer formas de controle, Formas de regulação. O que passa por uma regulação
econômica, o que passa por uma regulação, enfim, Do ponto de vista comercial, o que passa
por uma regulação também do ponto de Vista político-pedagógico e que não passe muito
e tão somente pela lei penal. Esse é o ponto. Uma parte significativa da população
brasileira critica defensores de Direitos humanos utilizando uma frase
muito conhecida que diz que os direitos Humanos não são para os cidadãos
de bem, que os direitos humanos Deveriam ser para humanos direitos. E
como é que o senhor reage a essa alegação? A minha reação, ela vem em geral como alguém
falou alguma coisa para mim, é difícil que falem Isso para mim, mas quando alguém fala alguma
coisa dessa para mim, eu falo assim: “Olha, é o seguinte, o que são humanos direitos?”
Eu acho que é importante em falar disso. Primeiro que a gente tem que pensar a questão
dos direitos humanos longe dessas abstrações. É isso que eu estou tentando fazer, inclusive do
ponto de vista da atuação do ministério. Falar De direitos humanos é falar, por exemplo,
de como é possível cuidar das crianças, Adolescentes, falar que como é
possível cuidar das mulheres, Como é possível cuidar das pessoas idosas de
uma maneira geral, como é possível cuidar das Pessoas que estão encarceradas, mas que
há um compromisso do Estado de proteger a Vida daquelas pessoas e impedir que elas sejam
submetidas a situação de tortura, de sevícia. Esse é o ponto. Falar de direitos humanos,
fundamentalmente, é falar, portanto, de algo Que preserve a sua dignidade e mesmo no âmbito
em que você está sendo disciplinado ou punido, Que ne meu estava falando do sistema carcerário,
você possa manter as suas condições existenciais. Nós estamos falando direitos humanos, a gente está
falando também da população em situação de rua, A gente está falando das pessoas que usam o
sistema público de saúde que não são atendidas. Ou seja, falar de direitos humanos existe… veja
só como a sua pergunta anterior dialoga com o que
A gente está falando agora, a gente só consegue
ver as questões a partir do âmbito da punição, Da destruição ou de uma limitação que impeça as
pessoas de serem para além daquilo que são. Mas Quando a gente começa a pensar os direitos
humanos como a expansão das possibilidades Existenciais das pessoas. Permitir às pessoas
que tenham a plenitude da vida. A gente começa A ver os direitos humanos a parte de uma dimensão
econômica que para mim é muito importante. A questão da moradia é uma questão de
direitos humanos. Uma pessoa que não tem Onde morar. Uma pessoa que não seja
submetida a toda ordem de privações. Mas por que, então, que boa parte da população
brasileira não tem esse entendimento? Boa Parte da população brasileira reclama
que só ouve falar de direitos humanos Quando o que eles chamam de a “turma dos
direitos humanos” vai defender criminosos? Primeiro que há um processo profundo
desinformação por parte de certos Setores da vida política que se alimentam
justamente dessa violência, desse, do pânico, Do medo. Inclusive, se alimentam financeiramente
disso. Em segundo lugar, eu acho que há também Todo um histórico de um país como o nosso,
um país forjado no autoritarismo, ou seja, Um país em que a democracia, em que o respeito à
vida ele tem uma densidade muito baixa. Nós somos Um país que vem de um passado de escravidão, que
passa por uma série de instabilidades democráticas, Uma república fundada sobre o racismo. Aí entra
outro problema: é um país racista, profundamente Racista, um país forjado a partir desse lugar. E
num terceiro ponto nós somos um país profundamente Desigual. Então, vejam que a precarização
e a precariedade da vida das pessoas leva Elas a pensar que esses tais direitos humanos,
eles são apenas algo para, de alguma maneira Impedir que aqueles que as violentam possam ser
responsabilizados. Então você cria um caldo de Cultura que é um caldo de cultura profundamente
calcado na violência, como última alternativa. O senhor acaba de voltar de Genebra
e recentemente o Brasil se absteve de Assinar uma uma declaração condenando as
violações de direitos humanos que estão Acontecendo nesse momento na Nicarágua.
O atual governo diz defender os direitos Humanos. Eu queria saber o seguinte: qual é a sua
opinião sobre o cenário vivido hoje na Nicarágua? O cenário hoje na Nicarágua é um cenário
preocupante, um cenário que os relatórios Demonstram que há violação de direitos humanos. Só
que, qual é a posição do Brasil? E é uma conversa Que se tem com o Itamaraty e com as outras
instituições de governo responsáveis por isso. É que o Brasil quer sempre manter uma
posição de diálogo e não caminhar no Sentido de condenar violações de um lado e não
condenar as de outro lado, no sentido de que, Entenda a questão de lado, de não apontar
o dedo para determinados países e não a Outros que também cometem violações. A ideia
sempre ,e é essa a posição que foi tomada, De abrir o espaço para que seja possível
um entendimento a partir do diálogo.
E eu disse isso lá em Genebra,
eu falei: “O fato de o Brasil, Porque a condenação tem uma série de
efeitos jurídicos, uma série de efeitos, Inclusive na possibilidade de permitir a
continuidade do diálogo. Isso não significa Se calar diante disso e não reconhecer
que existe violação de direitos humanos. Mas isso não dá uma impressão
de que o governo tem uma Certa leniência com esse regime,
especialmente considerando que… Não, o Brasil nunca teve e não tem leniência em
relação a isso. Nunca teve leniência relação a Isso. E, repito, não deixa e não deixará
de reconhecer quando se está diante de Violação de direitos humanos. A leniência, e
eu acho que até uma irresponsabilidade seria, é fechar as possibilidades de que a gente
possa dar um tratamento necessário para isso, Sem abdicar do fato de que deve haver as
punições de que os nicaraguenses devem ter a sua Autodeterminação respeitada, estou falando do povo
nicaraguense, inclusive, que está sofrendo agora. O que a gente não pode é fechar as portas para
que esses conflitos possam ser resolvidos por Meio daquilo que os organismos
internacionais têm como de mais Fundamental que é a possibilidade do diálogo. Ministro, eu entendo que o senhor coloca a questão Da manutenção do diálogo como o motivo pelo
qual o Brasil evita condenar frontalmente as Violações que estão acontecendo na Nicarágua. Mas
ao não fazê lo, o governo não abre mão de liderar. Muito pelo contrário. Muito pelo contrário.
O Brasil, diante de uma posição que privilegia o Diálog ganha possibilidade, inclusive, de liderar.
Por que? Justamente porque fomenta o diálogo. Ou seja, eu acho que perde a possibilidade de
liderar aqueles que, já num primeiro momento, Já no primeiro momento, estão absolutamente
indispostos a estabelecer o diálogo. Eu não Estou dizendo que o diálogo e essa tentativa,
ela vai durar para sempre. Eu não quero dizer Isso. Mas de novo, repito, o Brasil não irá se
calar diante de violação de direitos humanos. Mas ao não assinar, o Brasil não se cala? Não, não se cala. O Brasil dizo seguinte: “Vamos
conversar, vamos entender o que está acontecendo, Vamos chamar aqui para as pessoas
para falarem a respeito do que está Acontecendo e vamos tentar dar uma
solução do problema que preserve, Inclusive os direitos do povo nicaraguense.
Eu acho que é essa a ideia inicial, mas mais Uma vez, não há nenhum tipo de hesitação
diante de violação de direitos humanos. O presidente do Chile, Gabriel Boric, ele
chama Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, De ditador. O senhor concorda com essa
nomenclatura? Daniel Ortega é hoje um ditador? Eu diria o seguinte: mais uma vez, se a gente
quer preservar as possibilidades de dialogar, A gente tem que tomar cuidado com as
adjetivações. Até porque é o seguinte: Essas adjetivações elas não vão nos ajudar
em nada na hora de estabelecer, inclusive,
A punição àqueles que violam direitos humanos.
Eu acho que esse é o grande ponto. Ou seja, Nós não podemos de forma nenhuma, eu entendo
que eu entendo a posição do presidente Boric, Mas assim: o Brasil, ele tem um papel muito
grande dentro da região, dentro da América Latina, Inclusive o Brasil, como você diz, tendo
esse papel de liderar, ele precisa, portanto, Estabelecer essa condição de chamar as pessoas
à mesa a fim de preservar, de preservar essas Possibilidades de uma solução que seja uma
solução que não descambe para uma violência Indiscriminada. E isso acontece geralmente,
quando você fecha as portas de diálogo. O senhor falou que há um ambiente propício
para que se busque, por exemplo, que as Forças Armadas reconheçam sua culpa, que se reveja as
recomendações da Comissão Nacional da Verdade. Entretanto, o que eu gostaria de lhe perguntar
o seguinte: a margem da vitória do presidente, Foi muito pequena, a população brasileira está
muito dividida. Esse reclamo que o senhor diz Que cria esse ambiente propício para isso não
é um reclamo de uma parte, apenas de uma bolha Mais à esquerda? O senhor acredita que esse é
um reclamo da sociedade brasileira como um todo? Eu acho, Leandro, que essa discussão,
como eu já disse, é uma discussão que Ela não atende a uma bolha da sociedade brasileira
porque estamos falando aqui de democracia. E nem Se trata só de falar de culpa das Forças Armadas,
não é disso que trata. Nós estamos pensando, O grande pensamento seguinte: como é que nós
fazemos para consolidar a democracia, para impedir Que atos como esse ato de 8 de janeiro se repitam?
Para colocar todo mundo dentro de um ambiente Democrático? Essa questão, não se trata única e
tão somente de pensar em reivindicações que são Feitas por determinados setores da sociedade.
Fatos como o que ocorreram no 8 de janeiro são De extrema gravidade e eles comprometem não apenas
,eles não interessam não apenas a uma parcela da Sociedade brasileira, como eles também comprometem
a possibilidade de viver num ambiente minimamente Saudável, um ambiente seguro num ambiente
democrático de toda a sociedade brasileira. Então, Não é interesse de ninguém que fatos como
aqueles se repitam. Não há interesse nenhum Que que os saudosos de períodos ditatoriais
eles se apresentem como alternativa, eles Continuam em desestabilizar a democracia de fora
do Brasil, inclusive fazendo uso de um determinado Discurso que não interessa a ninguém aqui no
Brasil. E se esse discurso interessa a ninguém, Obviamente que é um discurso que que não é um
discurso nichado, não discurso de uma parcela.