Glossário político: O que é ser fascista?

Glossário político: O que é ser fascista?

Nos últimos cinco anos, a palavra “fascista”
foi usada mais de 400 vezes em discursos de Deputados brasileiros na Câmara. (Carla Zambelli) Eu fui chamada de fascista
indiretamente por uma parlamentar… (André Figueiredo) Todos nós da bancada Que defende a democracia e que se opõe a
um governo antidemocrático e fascista… Na forma como ele é usado hoje para xingar
adversários políticos, tem pouco ou às Vezes nada a ver com a ideologia criada na
Itália do início do século 20 por Benito Mussolini. Essa ideologia inspirou outros extremismos
— como o nazismo — e foi o catalisador Para o mais sangrento conflito na história,
a Segunda Guerra Mundial. Aliás, o tema voltou aos holofotes na Itália
com a chegada ao poder da primeira-ministra Giorgia Meloni, cujo partido tem raízes no
fascismo. Mas como fascista virou um insulto tão comum? Precisamos voltar no tempo. O cenário é a Europa logo depois da Primeira
Guerra Mundial. O conflito sangrento deixou cerca de 20 milhões
de mortos, 20 milhões de feridos e uma Europa Destruída. Também sacudiu as instituições políticas
da região. Na Rússia os bolcheviques implantavam a primeira
experiência comunista com a revolução de 1917. Ao mesmo tempo, na Itália, Benito Mussolini,
um ex-socialista, criava o movimento que ficaria Conhecido como fascismo. O objetivo principal era combater o socialismo. O nome se baseava na palavra de origem latina
fasces. Uma espécie de machado com gravetos amarrados
usado na Roma antiga como símbolo de autoridade E unidade do Estado. Mussolini e seus aliados eram conhecidos como
os “camisas-negras”. Passaram a atuar como um partido na política
italiana, mesmo que suas propostas não fossem Muito claras e que, por vezes, não passassem
de atos de violência. Para se ter uma ideia, Mussolini foi questionado
certa vez pelo jornal italiano Il Mondo sobre Quais seriam suas principais propostas políticas. Em resposta, o líder fascista disse: "Nosso
programa é quebrar os ossos dos democratas Do Il Mondo, e quanto antes, melhor". Em 1921, com poder crescente, o Partido Fascista
foi convidado a integrar a coalizão do governo

Italiano. No ano seguinte, num momento de caos político
na Itália, os camisas-negras marcharam por Roma. Mussolini se apresentou como o único homem
capaz de restaurar a ordem. Foi assim que ele chegou ao poder, com apoio
de grandes empresários e do Vaticano. Aos poucos desmontou todas as instituições
democráticas. Em 1925, virou ditador e assumiu o controle
de todos os poderes do Estado. O regime parlamentar e democrático italiano
daria lugar a um Estado totalitário, sem Liberdades individuais ou políticas. Depois do início do movimento fascista italiano,
seria a vez do líder nazifascista Adolf Hitler Chegar ao poder na Alemanha em 1933. Hitler propunha remédios extremistas para
os problemas do pós-guerra e culpava abertamente Comunistas, judeus, ciganos e minorias religiosas
por essas mazelas. Em 1920, ele fundou o movimento nazista com
bandeiras nacionalistas, antissemitas, anticomunistas E anticapitalistas. Em 1932, com a Alemanha em frangalhos política
e economicamente, os nazistas viraram o maior Partido do Parlamento. No ano seguinte, Hitler virou chanceler da
coalizão de governo e, como Mussolini, desmontou As instituições democráticas. Virou um ditador. Em 1939, os fascistas italianos e os nazistas
alemães assinaram um pacto militar, e a Alemanha Invadiu a Polônia, dando início à Segunda
Guerra Mundial. A ascensão de Mussolini e Hitler fez com
que analistas no mundo todo passassem a tentar Entender a ideologia responsável pelo genocídio
de milhões de pessoas e por uma guerra que Abalaria as estruturas do mundo todo. Ao longo de décadas, estudiosos conseguiram
identificar alguns ingredientes típicos do Caldeirão fascista. Vou listar alguns:
um líder forte, Um contexto de crise socioeconômica,
algum apoio das elites capitalistas, O militarismo,
o racismo, O pragmatismo, ou seja, adotar e abandonar
ideias a depender das circunstâncias, O Anti-intelectualismo,
o controle da sociedade, As paixões mobilizadoras,
a propaganda, A mentira,
o medo generalizado,

A violência,
a religião, O anticomunismo e
o nacionalismo Há dezenas de milhares de livros e artigos
em torno do tema. Mas, nas palavras do historiador americano
Robert Paxton, "no final das contas, nenhuma Interpretação do fascismo parece ter conseguido
satisfazer a todos de forma conclusiva". É que o fascismo tem muita coisa em comum
com outras formas de poder totalitárias, Ditatoriais, populistas, autoritárias e tirânicas. Para Robert Paxton, o fascismo vem da preocupação
obsessiva de um determinado grupo social com A decadência e a humilhação. Disso surge um partido de base popular formado
por militantes nacionalistas, que recebe algum Tipo de cooperação, mesmo que ambígua,
das elites tradicionais. O avanço do fascismo se dá com a rejeição
às liberdades democráticas; a limpeza étnica, Uma expansão internacional violenta; e desrespeito
às leis e à ética. No mundo acadêmico e político — inclusive
na Itália e na Alemanha —, há praticamente Um consenso de que o fascismo e o nazismo
são de extrema direita. Ou seja, estão no lado completamente oposto
do comunismo nessa espécie de escala ideológica. O próprio Museu do Holocausto em Israel,
fundado em homenagem aos mais de 6 milhões De judeus mortos pelo regime liderado por
Hitler, classifica o nazismo como de direita. O museu avalia que o clima de frustração
após a Primeira Guerra Mundial e a percepção De ameaça do comunismo, “criou solo fértil
para o crescimento de grupos radicais de direita Na Alemanha, gerando entidades como o Partido
Nazista". Para Kevin Passmore, autor de Fascismo: Uma
Breve Introdução, o fascismo é um movimento De extrema direita justamente porque se opõe
com hostilidade extrema ao socialismo e ao Feminismo. O fascismo alega que esses movimentos priorizam,
entre aspas, "classes ou gêneros em vez da Nação". Essa oposição aproxima os fascistas a setores
conservadores no campo da direita, que são Contrários a mudanças econômicas, sociais,
políticas, morais ou culturais. Mas os fascistas estão dispostos a ir bem
além e atropelar os interesses conservadores – inclusive família, propriedade e religião
– se isso for necessário para garantir O que enxergam como os interesses da nação. Por outro lado, um grupo bem pequeno de especialistas
elenca semelhanças entre o fascismo e o comunismo. E parte desses especialistas (e alguns políticos)
se baseia nisso para alegar que o fascismo é de esquerda.

O argumento é que tanto o comunismo quanto
o fascismo contestam o capitalismo liberal E são totalitários, ou seja, controlam todos
os aspectos da vida das pessoas. O "socialista" no nome do partido liderado
por Hitler, Partido Nacional-Socialista, é Frequentemente citado nos debates de internet
que falam no nazismo como um movimento de Esquerda. O próprio Hitler comentou o tema em uma entrevista
a George Sylvester Viereck, em 1923. Hitler explicou por que se declarava um “Nacional
Socialista” uma vez que o programa de seu Partido era a antítese do que era comumente
associado ao socialismo. Ele respondeu que queria tomar a expressão
‘socialismo’ dos socialistas. Estudiosos concordam que associar Hitler ao
socialismo não faz sentido. O linguista brasileiro Izidoro Blikstein,
especialista na análise do discurso nazista E totalitário, explica que a base do nazismo
está no termo ‘nacional’, não no ‘socialista’. Ou seja, o mais importante era a defesa do
que eles enxergavam, entre aspas, como ‘próprio Dos alemães’. É a chamada teoria do arianismo. "Dizer apenas que Hitler era um político
de direita é apequenar o nazismo. Foi mais do que direita ou esquerda. Foi uma doutrina arquitetada para defender
uma raça, embora esse conceito seja discutível E pouco científico.", avalia Bilkstein. Já a historiadora Denise Rollemberg diz que
é bastante complicado classificar o nazifascismo No espectro político atual. Ela explica:
"O nazismo nasce no meio de uma crise de referências Muito grande após a Primeira Guerra. Os valores muitas vezes vão se embaralhar,
e esses conceitos de direita e esquerda atuais Não resolvem bem o problema. (…) Eles rejeitavam o que era a direita
tradicional da época e também a esquerda Que estava se estabelecendo. Eles procuravam se mostrar como um terceiro
caminho." Isso nos leva a outro grande debate: dá para
chamar de fascista pessoas ou movimentos extremos Dos dias de hoje? Ou será que o termo só serve para se referir
àquele contexto do início do século 20? É algo em discussão no próprio berço do
fascismo. A Itália elegeu em 2022 como premiê Giorgia
Meloni, a primeira líder de extrema direita Ali desde a queda de Mussolini.

Meloni rejeita veementemente essa conexão
e diz que a ideologia fascista ficou para A história. Mas ela pertence ao Irmãos da Itália, partido
que tem raízes no movimento fascista e tem Como símbolo as chamas tricolores, associadas
a Mussolini. O cientista político Gianlucca Passarelli
explicou essa aparente ambiguidade à BBC: “O partido dela não é fascista. Fascista significa chegar ao poder e destruir
o sistema. Ela não fará isso, nem poderia. Mas há alas do partido ligadas ao movimento
neofascista. Ela sempre ficou no meio desses dois lados”. O historiador Emilio Gentile é considerado
o maior especialista vivo em fascismo na Itália. Para ele, os termos fascismo ou fascista só
devem ser adotados para descrever os movimentos De massa organizados militarmente que tomaram
o poder entre a Primeira e a Segunda Guerra, Que negaram a soberania popular e transformaram
completamente a sociedade com objetivos imperialistas. Ou seja, promoveram a dominação política,
econômica e cultural de outros países e Territórios. Seria um erro, na visão de Gentile, usar
essas palavras para falar dos movimentos violentos De extrema direita de hoje. O motivo é que isso nos impediria de entender
o que há de novo nesses movimentos atuais E o perigo que eles representam, argumenta
o historiador italiano. Ele disse:
"O problema hoje não é o retorno do fascismo, Mas quais são os perigos que a democracia
pode gerar por si só, quando a maioria da População — ao menos, a maioria dos que
votam — elege democraticamente líderes Nacionalistas, racistas ou antissemitas." Isso não é um consenso. O especialista em radicalismo e populismo
Federico Finchelstein enxerga vários paralelos Entre o fascismo histórico do início do
século 20 e líderes que ele classifica como Populistas no século 21. Esses líderes costumam se apresentar como
solução messiânica dos problemas nacionais E como representantes autênticos da vontade
do povo. Finchelstein argumenta que o populismo é
uma forma autoritária de democracia que reformulou O fascismo depois do fim da Segunda Guerra,
em 1945. Ele, inclusive, cita como exemplos desse "novo
populismo" o trumpismo nos Estados Unidos E o bolsonarismo no Brasil.

Já que estamos falando de Brasil, vamos relembrar
a história do fascismo no país. Aqui, esse movimento era chamado de integralismo. Inspirada em Mussolini, a Ação Integralista
Brasileira, a AIB, surgiu em 1932 com um discurso Marcado por anticomunismo, nacionalismo, antiliberalismo,
defesa do cristianismo, conservadorismo, corporativismo, Antissemitismo e culto ao seu líder e fundador,
o escritor Plínio Salgado. Para ele, o liberalismo político-econômico
e o comunismo eram faces da mesma moeda. O Brasil chegou a ter quase 200 mil filiados
ao movimento integralista, chamados de camisas-verdes, Em alusão aos camisas-negros italianos. Todas as sedes do movimento eram decoradas
com fotos de Plínio Salgado, e cartazes com Os dizeres: "O integralista é o soldado de
Deus e da pátria, homem novo do Brasil que Vai construir uma grande nação". Para Robert Paxton, a AIB "foi a coisa mais
próxima a um partido de massas fascista nativo Da América Latina". Mesmo depois que o partido foi extinto por
Getúlio Vargas, que Plínio Salgado perdeu Uma eleição presidencial e morreu, em 1975,
o integralismo não acabou. O historiador brasileiro Leandro Pereira Gonçalves
explica que o movimento se pulverizou nos Anos 1970 e fez nascer vários pequenos grupos
neofascistas. Um deles reivindicou a autoria de um ataque
a bomba contra a sede do grupo humorístico Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, em 2019. Além disso, o lema do integralismo, "Deus,
Pátria, Família", voltou à tona como lema Da Aliança Pelo Brasil, partido que o presidente
Jair Bolsonaro tentou criar, sem sucesso. O bolsonarismo, por sua vez, é caracterizado
por alguns pesquisadores como um movimento Neofascista ou pós-fascista. Veja a descrição do historiador argentino
Federico Finchelstein: "No Brasil, uma ideologia com propagandas
golpistas, muito próxima do fascismo, tem Se intercalado com o nacionalismo e o messianismo". Messianismo, nesse caso, seria a crença em
um líder que chegaria para salvar a todos E tornar a vida melhor. A associação do bolsonarismo com o fascismo,
no entanto, é fortemente negada por apoiadores De Bolsonaro. Veja o que escreveu no Twitter o filho dele
e deputado federal Eduardo Bolsonaro: "Qualquer um que se oponha ao PT será chamado
de nazista, fascista. Não se trata de um conceito, mas sim uma
tentativa de caluniar o oponente. Tática do vale-tudo!

Os rótulos (fascista, negacionista etc) não
fazem qualquer sentido, não têm conexão Com a realidade, apenas servem para controlar
a narrativa." Segundo o autor Wilson Gomes, a estratégia
política de chamar adversários de fascistas, Genocidas ou comunistas busca o pânico moral
e satanizar os adversários. Abre aspas: "Você transforma o adversário,
em termos discursivos, em uma posição inaceitável De um ponto de vista moral”. Será que isso banaliza o fascismo e o nazismo? É um debate recorrente. O historiador americano Stanley Payne, um
dos maiores estudiosos do movimento fascista, Diz que o fascismo "continua sendo o mais
indefinido dos termos políticos mais importantes". Aliás, essa indefinição é ideal para impulsionar
o uso indiscriminado do termo – parecido Ao que ocorre com outros termos políticos
de difícil definição, como liberal, conservador E comunista. Em seu livro Antifascismo, o jornalista e
escritor conservador americano Paul Gottfried Argumenta que termos como fascista e nazista
são usados atualmente pela esquerda como Instrumento de propagação do medo. Mas a acusação de fascista não se restringe
a políticos ou personalidades de direita. Até mesmo Lula já foi chamado de fascista
por adversários da direita ou mesmo da esquerda, Como Ciro Gomes na campanha presidencial de
2022. O curioso é que essas referências ao fascismo
ou ao nazismo, além de muitas vezes serem Exageradas, academicamente imprecisas e falaciosas,
têm pouco poder de convencimento, na opinião Da English Speak Union, ONG britânica que
promove a comunicação e o pensamento criativo. Amanda Moorghen, pesquisadora da ONG, concluiu
que, entre aspas: "Adotar acusações de fascismo como insulto
não ajuda a se aproximar do público nem Favorece seu ponto no argumento. Em vez disso, você aumenta o nível de agressividade
do debate, forçando uma polarização entre 'bom' e 'mau' numa discussão que, por outro
lado, poderia ter posições mais razoáveis Dos dois lados". Por hoje é só, mas fique de olho em mais
vídeos do nosso glossário da política no Canal da BBC News Brasil no YouTube. Obrigada pela audiência, tchau!

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