Em 4 pontos, o que explica cenas de caos na França
Milhões de manifestantes nas ruas francesas. Cerca de 10 mil toneladas de lixo acumuladas
nas ruas de Paris. Postos sem gasolina após greves nas maiores
refinarias nacionais. Eu sou Julia Braun, da BBC News Brasil, e
neste vídeo explico em 4 pontos o que há Por trás do caos na França, sexta maior
economia do mundo. Vamos começar pela raiz da onda de insatisfação:
uma reforma no sistema previdenciário assinada Pelo governo de Emmanuel Macron em meados
de março. Ela aumenta a idade mínima de aposentadoria
de 62 para 64 anos para a maioria das categorias. Segundo o governo, a reforma é necessária
para sustentar o sistema de aposentadorias, Algo cada vez mais difícil diante da queda
na proporção entre trabalhadores ativos E aposentados. Só em 2021, as despesas com pensões custaram
quase 14% do PIB francês aos cofres públicos, Quase o dobro da média dos países da OCDE,
grupo conhecido como clube dos países ricos. Segundo um relatório de especialistas encomendado
pelo governo, essas despesas podem levar a Um deficit de 10 bilhões de euros por ano
entre 2022 e 2032. Mesmo com a mudança, a idade mínima francesa
ainda é menor que a de vizinhos europeus Como Alemanha, Reino Unido, Bélgica, Holanda,
Espanha e Itália, onde varia entre 65 e 67 anos. No Brasil, a idade mínima para aposentadoria por idade é de 62 anos para as mulheres e 65 para os homens, com tempo mínimo de contribuição De 15 anos. Mas o sentimento de revolta na França também
está ligado à forma como a reforma foi aprovada. A coligação de Macron perdeu a maioria no
Legislativo nas eleições de 2022. Com isso, o governo não conseguiu o apoio
necessário para aprovar a reforma na Assembleia Nacional e precisou acionar um dispositivo
especial da Constituição, chamado de 49.3, Que permite que a mudança entre
em vigor sem aprovação legislativa. O recurso foi criticado por membros da oposição
e incitou ainda mais os protestos. A especialista em política francesa Rainbow
Murray me disse que a ação do governo foi Vista por muitos como “um atropelamento
da democracia parlamentar e da vontade do povo”. Com tudo isso, o país entrou em dias de protestos,
a maioria pacíficos. Mas em alguns casos, houve confrontos entre
alguns grupos e as forças de segurança. E diferentes categorias organizaram greves. Aeroportos, escolas e refinarias de petróleo
foram afetados, deixando parte dos postos Sem pelo menos um tipo de combustível. Os agentes de limpeza pública, para quem
a reforma da Previdência prevê a mudança Da idade mínima de
aposentadoria de 57 para 59 anos, também
Pararam por vários dias. Daí vêm as imagens de ruas em Paris repletas
de lixo, que viraram cena comum nas últimas Semanas, gerando um temor de problemas de
saúde pública. E se você se lembra bem, o país já viu
isso antes. Esse é o nosso segundo ponto. Nos últimos 30 anos, todas as tentativas
de reformas desse tipo foram recebidas com Manifestações, greves e protestos de sindicatos. Aqui tem um componente próprio da França:
um histórico de resistência a mudanças No sistema previdenciário, além de uma longa
tradição de movimentos sindicalistas e populares. Segundo a especialista Rainbow Murray, a sociedade
francesa tem um apego grande à ideia de uma Longa aposentadoria financiada pelo Estado. Especialmente nas carreiras que são mais
desgastantes fisicamente. Para esses profissionais, adiar a aposentadoria
é uma ideia nada atrativa. O próprio Macron já enfrentou essa resistência
entre o fim de 2019 e início de 2020, no Seu primeiro mandato, quando um projeto para
unificar todos os 45 regimes de pensão do País teve reação bem parecida. O governo também chegou a pressionar por
uma mudança na idade mínima para aposentadoria, Mas decidiu adiar o projeto por causa da pandemia
de covid. A reforma atual é uma promessa de campanha
de Macron, e foi incluída em seu plano de governo. E ele já disse várias vezes que não pretende
abandonar seus planos. Olha só o que ele disse sobre o tema: “Vocês
acham que eu estou gostando de aprovar essa Reforma? Não. Quanto mais demorarmos, mais o
deficit vai crescer” “Essa reforma não é um luxo, não é um prazer, é uma necessidade”
Pesquisas mostram que a aprovação do governo Caiu 4 pontos percentuais em um mês, e está
atualmente em 30%. Além disso, a crise levou o governo a enfrentar
duas moções de desconfiança na Assembleia Nacional, que não passaram. Se alguma das votações tivesse sido bem-sucedida,
a primeira-ministra Élisabeth Borne e todo O gabinete de governo teriam sido derrubados,
e a reforma, anulada. E Macron teria que formar um novo governo. Segundo especialistas, a crise pode se aprofundar
ainda mais. Há quem tema uma revolta social ainda maior,
semelhante à registrada em 2018 contra reformas Fiscais e sociais, conhecida como movimento
dos coletes amarelos. Chegamos ao terceiro ponto do vídeo, o fator
Macron.
Para a cientista política Rainbow Murray,
a insatisfação popular também é uma resposta Ao próprio estilo dele de governar. Olha o que ela me disse: “Macron é um político
convicto e faz o que acredita ser o melhor, Mas pode passar a impressão de ser arrogante
e indisposto a ouvir a população. Ele até ganhou o apelido de presidente dos
ricos porque dizem que muitas de suas políticas Beneficiaram mais os cidadãos ricos do que
os trabalhadores”. Um exemplo disso é que Macron foi criticado após retirar um relógio
numa entrevista para falar da crise. Segundo sua equipe, ele tirou o relógio porque
estava fazendo barulho na mesa. Mas para os críticos, o objeto de luxo simboliza
a falta de contato dele com a população. Houve quem dissesse que o relógio valeria
até 80 mil euros, o equivalente a 450 mil reais. Mas o governo divulgou que ele usava um modelo
personalizado de um relógio que custa na Internet entre 1.660 e 3.300 euros, ou 9,4
mil e 18,6 mil reais, sem a personalização. Muitos analistas franceses dizem que Macron,
que é de centro-direita, perdeu a maioria Na Assembleia Nacional justamente por sua
forma de governar, além dos planos econômicos. Enquanto isso, a direita radical, representada
pelo partido União Nacional, de Marine Le Pen, Conseguiu um resultado histórico e multiplicou por dez seus representantes na Assembleia. E analistas dizem que toda a repercussão
negativa da reforma previdenciária pode abrir Portas para um crescimento ainda maior da
direita radical na França. Segundo uma pesquisa divulgada em 19 de março,
26% eleitores votariam no União Nacional Caso as uniões legislativas fossem realizadas
hoje. São 5 pontos percentuais a mais do que há
5 meses. Para acabar, vamos ao impacto econômico de
tudo isso, último ponto do vídeo. Há quem diga que as greves e manifestações
pesariam nos bolsos da França, mas diferentes Economistas descartaram grandes perdas, apesar
dos efeitos no mercado de combustíveis e transportes. A economista Emmanuelle Auriol, da Escola
de Economia de Toulouse, disse para a BBC Que estima um impacto de algo entre 0.1 ou
0.2 ponto percentual no crescimento trimestral Do PIB francês. Mas ela disse que o efeito não deve ser uniforme
e pode atingir mais alguns setores do que outros. Já o governo e outros apoiadores da reforma
dizem que a economia que pode ser alcançada Com a mudança previdenciária é imensamente
superior a esses eventuais impactos econômicos Das paralisações. A gente, da BBC News Brasil, vai continuar
de olho em tudo isso. Eu fico por aqui. Obrigada e até a próxima.