Como ‘Vaticano hindu’ construído sobre mesquita destruída é símbolo de ‘nova Índia’
“O Vaticano hindu”. É assim que este novo templo está sendo chamado
por alguns políticos nacionalistas indianos. No total, a obra vai custar o
equivalente a mais de 1 bilhão de reais, E a expectativa é de que o local receba
pelo menos 100 mil visitantes por dia. O primeiro-ministro, Narendra Modi, participou da
inauguração do templo de Ayodhya, num evento que Foi transmitido pela televisão para o país inteiro
e que levou alguns Estados a decretarem feriado. Mas para alguns críticos, essa cerimônia – que
teoricamente seria apenas religiosa -, pode Ter sido, na verdade, parte de uma grande
estratégia política para favorecer Modi Nas eleições. E pode também aumentar
as tensões religiosas naquela região. Eu sou Daniel Gallas, repórter da BBC News Brasil,
e, neste vídeo, vou te explicar por que alguns Especialistas acreditam que a inauguração
desse supertemplo pode marcar a transição Da Índia de um país secular pra um país em que
há apenas uma religião oficial: o hinduísmo. A Índia é hoje o país mais populoso do mundo, Algo que faz com que seja cada vez mais
cobiçado e relevante na geopolítica global. E quase 80% dos indianos – ou seja, mais de 1
bilhão de pessoas – é hindu. A segunda maior Religião é o Islã, seguido por 15% da população.
Embora os muçulmanos sejam uma minoria, Eles somam quase 200 milhões de pessoas,
número pouco menor que toda população do Brasil E a história desse novo templo é muito
representativa de uma importante divisão Entre os seguidores das duas religiões na Índia
– uma tensão que já se arrasta por séculos. É que no local onde o templo foi
construído antes ficava a mesquita Babri, Que tinha sido erguida ainda no século 16,
quando os muçulmanos governavam a região. E aí vale uma pequena
recapitulação da história da Índia: Os primeiros muçulmanos chegaram ao país
há mais de mil anos. E ao longo do tempo, Em muitos momentos a relação entre eles e os
hindus que já viviam ali foi de bastante tensão. No caso da mesquita Babri, por exemplo, Os hindus alegavam que antes de ela ser
construída, já havia um templo naquele lugar. O local, inclusive, é sagrado
pros seguidores do hinduísmo, Que acreditam que um de seus deuses nasceu ali. E uma parte dos indianos sempre defendeu que
um novo templo ocupasse o lugar da mesquita. Mas esse assunto só foi ganhar relevância há
relativamente pouco tempo, na década de 80, depois Que um pequeno partido político alinhado com o
nacionalismo hindu passou a defender a causa. E esse partido é justamente o BJP, do
atual primeiro-ministro, Narendra Modi. Na época, as lideranças do partido começaram a Viajar por algumas regiões do país
para divulgar a questão do templo.
E o então jovem Modi fazia parte da comitiva. Hoje, essa campanha é vista como determinante
para o crescimento do partido, que na época Tinha apenas dois representantes
no Parlamento e hoje tem a maioria. Em 1992, depois de uma convocação do BJP,
milhares de hindus acabaram destruindo a Mesquita centenária, num episódio de violência
que ficou marcado na história da Índia. Na época, o país foi tomado por conflitos
que deixaram mais de 2 mil mortos. Foi um Dos piores conflitos religiosos na Índia desde
a independência do país, quando as tensões Religiosas na região levaram à divisão entre a
Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria Muçulmana. Foi um momento decisivo na história
indiana, por ter abalado a política secular do País e dado origem ao movimento nacionalista de
direita hoje representado pelo partido de Modi. Depois disso, a disputa entre os
seguidores das duas religiões pelo Local sagrado foi parar na Suprema
Corte, que cedeu o local aos hindus, Apesar de reconhecer que a demolição
da mesquita havia sido uma violação Do estado de direito. A Corte acabou
dando um outro terreno aos muçulmanos. Desde a chegada de Modi ao poder em 2014, Alguns críticos dizem que desde então ele tenta
trazer a fé hindu para o centro da vida pública. Figuras do BJP frequentemente condenaram o período De predominância islâmica na Índia
como uma era de opressão do hinduísmo. Agora, Modi é favorito na corrida por um terceiro
mandato. As eleições acontecem nos próximos meses. E é por isso que a presença dele na inauguração
do novo templo – que ainda sequer está totalmente Pronto – está sendo vista pelos críticos
como parte de uma grande estratégia política. Essa estratégia envolveria transformar a região
do templo em um grande destino turístico. Quase 20 bilhões de reais estão sendo gastos
para modificar infraestrutura da região. Uma autoridade local disse que o governo
pretende construir a cidade mais bonita Do mundo Milhares de pequenos imóveis foram derrubados
para dar lugar a ruas mais amplas, hotéis, Uma grande estação de trem e um novo aeroporto. O governo federal também tem gastado milhões de Dólares para desenvolver dezenas
de locais de peregrinação hindu Pelo país. Tudo isso tem eletrizado uma
parcela importante da população hindu. De um lado, simpatizantes de
Modi dizem que o premiê tem Sido eficiente em colocar a Índia em
um papel de destaque na arena global. De outro, críticos acusam o político de estimular
o nacionalismo hindu às custas de outras minorias No país, o que geraria violência, discriminação
e combustível para grupos extremistas hindus.
Tanto que o templo de Ayodhya está
sendo boicotado por vários religiosos Hindus críticos a Modi, que acusam o
premiê de uso político da religião. Muitos muçulmanos que moram na região dizem Estar com medo de ataques e de uma
repetição do que aconteceu em 1992. Têm crescido na última década os casos
de perseguição religiosa e linchamento De muçulmanos, perpetrados por
militantes hindus de extrema direita. Há quem tema que a construção do templo pode ter
marcado o início do fim de uma Índia secular, Em que as divisões entre Estado e
religião ficam cada vez menos claras. Por hoje eu fico por aqui, mas siga nossa
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