Como falas de Lula sobre paz na Ucrânia irritaram EUA e UE
A posição do presidente Lula sobre a
guerra na Ucrânia vem provocando polêmica.
Lula tem dito que quer ajudar A mediar a paz. E, em viagem ao exterior, repetiu
que a responsabilidade pelo conflito é tanto da Rússia quanto da Ucrânia.
Em resposta, ouviu duras críticas
da Casa Branca e da União Europeia. Sou Camilla Veras Mota, na BBC News Brasil, E neste vídeo eu falo sobre a posição do governo
brasileiro e o que especialistas dizem sobre as Falas e pretensões de Lula.
Será que o Brasil tem condições de propor
soluções para um conflito que já matou mais De 8 mil pessoas, deixou mais de 8 milhões de
refugiados e alimentou uma crise inflacionária Global?
Começo explicando a posição oficial brasileira.
Formalmente, o Itamaraty nega que o Brasil tenha
a intenção de mediar o conflito. E em fevereiro, Em uma votação na Assembleia
Geral da ONU, o Brasil votou a Favor de uma resolução que pede a retirada
imediata das tropas russas na Ucrânia.
Foi o único país dos Brics, Grupo que reúne as economias emergentes, a adotar
essa posição. Os demais países, que são China, Índia e África do Sul, se abstiveram na votação
contra a Rússia, que também integra o grupo.
Mas essa posição Brasileira é vista como ambivalente, por causa das
declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia. A mais recente delas foi esta:
Por que a decisão da guerra
foi tomada por dois países E agora nós estamos tentando construir
Nós estamos tentando construir um grupo de Países que não têm nenhum envolvimento
com a guerra, que não querem a guerra, Que desejam construir paz no mundo
Para conversarmos tanto com a Rússia Quanto com a Ucrânia
Antes, na China, ele havia dito, abre aspas:
“É preciso que os Estados Unidos parem de
incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em
paz pra que a gente possa convencer o Putin e o Zelensky de que a paz interessa a todo mundo
e a guerra só tá interessando, por enquanto, Aos dois”.
A retórica do presidente brasileiro provocou uma
resposta dura dos países que apoiam a Ucrânia.
Nos Estados Unidos, , que é porta-voz de Segurança Nacional da
Casa Branca, afirmou que Lula está, entre aspas,
“reproduzindo propaganda russa e chinesa” e
fazendo comentários “simplesmente equivocados”.
Kirby declarou: "É profundamente problemático como o Brasil
abordou essa questão (…), sugerindo que Os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não
estão interessados na paz ou que compartilhamos a Responsabilidade pela guerra".
Tom semelhante foi adotado pelo porta-voz
de Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano. Ele afirmou:
“Em referência às falas do presidente brasileiro,
(…) é a Rússia, e apenas a Rússia, a responsável Pela agressão ilegítima e não provocada contra a
Ucrânia. Então não há dúvidas quanto a quem é o Agressor e quem é a vítima”.
Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores
da Rússia, Sergey Lavrov, esteve em Brasília, onde Se encontrou com Lula. Ele agradeceu o governo
brasileiro pelo que chamou de “compreensão da Situação da Ucrânia” e disse que Brasil e Rússia
têm, entre aspas, “visões similares” sobre temas Globais.
Não é a primeira vez que Lula atribui a culpa da
guerra tanto ao governo russo quanto ao ucraniano. Recentemente, Lula sugeriu que a Ucrânia teria que
abrir mão do território da Crimeia, anexado pela Rússia em 2014, em prol do fim do conflito, o que
foi rechaçado pelos ucranianos e também desagradou Potências ocidentais.
Ao mesmo tempo, Lula ambiciona criar
o que ele chama de “grupo da paz”, Ou “G-20 da paz”, para discutir soluções
para a guerra, com a presença fundamental Da China.
Mas diplomatas e analistas brasileiros e
estrangeiros lançam dúvidas sobre as condições Do Brasil de ser protagonista nessa história
– principalmente depois das falas recentes de Lula.
Mais do que isso, a proposta do petista sequer tem
ganhado muita tração com os líderes globais.
Lula já apresentou sua Ideia de “grupo da paz” ao presidente americano,
Joe Biden, e ao chanceler alemão, Olaf Scholz, que A receberam com ceticismo e reserva.
E, na viagem recente de Lula à China, embora
esse assunto fosse um dos principais na mesa De discussões com o presidente Xi Jinping, o
comunicado conjunto entre Brasília e Pequim, Feito depois da visita, não trouxe nenhum
compromisso concreto sobre a questão ucraniana.
Os meus colegas Mariana Sanches E Leandro Prazeres, que estiveram recentemente
na China para cobrir a visita, conversaram com Diplomatas brasileiros sobre esse assunto.
Esses diplomatas dizem que o Brasil não tem
a pretensão de mediar a guerra, mas sim de Deixar “um canal aberto” para tratar do conflito
com os chineses e servir como “um facilitador”.
Para esses diplomatas, as condições para a Construção de qualquer diálogo pela paz ainda não
estão dadas, já que tanto russos quanto ucranianos Nutrem esperanças de uma vitória militar.
Outro ponto importante: enquanto a China
vem numa posição crescente de mediação de Conflitos internacionais, por exemplo ajudando
a restabelecer os laços diplomáticos entre Irã E Arábia Saudita, o Brasil vinha amargando
a redução do seu papel de líder regional, Inclusive na América do Sul.
E por que isso importa? Nas palavras do coronel
da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho: “Falando de um ponto de vista bem realista, se o
presidente Xi Jinping percebesse a possibilidade De costurar a paz nesse momento, ele já teria
feito isso, e não iria dividir esse protagonismo Com o Brasil”
A China, por enquanto, se resumiu a pedir que os
diálogos de paz sejam retomados no âmbito da ONU e Que, entre aspas, “as preocupações de segurança de
todos os lados sejam levadas em consideração”.
Isso é uma alusão aos argumentos russos de que A invasão à Ucrânia foi uma resposta à expansão
da Organização do Tratado do Atlântico Norte, A Otan, sobre uma área de influência russa.
Já o governo Lula vem numa tentativa de resgatar O prestígio brasileiro internacional. Mas esse
esforço esbarra em um empecilho: a geopolítica Global mudou muito desde os primeiros mandatos
de Lula, nos anos 2000. Com uma bipolaridade Crescente entre Estados Unidos e China, fica mais
difícil a aposta do petista no multilateralismo.
O cientista político Guilherme Casarões
fez uma análise sobre isso no Twitter. Ele Acha que Lula tentou oferecer o Brasil como
um articulador da paz, mas acabou criando, Entre aspas, uma “falsa simetria”, ao colocar as
ações russas e ucranianas em pé de igualdade.
Casarões escreveu: “A política externa do governo Lula, com todos
seus méritos e desafios, deveria extrair uma Lição desse episódio. O Brasil não precisa tomar
lado, mas o discurso de Lula sobre a guerra deve Mudar. Caso contrário, boas ideias seguirão
reféns das (más) interpretações alheias.”
Ele também sugeriu que, Se Lula quiser se fato se cacifar como mediador,
terá de obrigatoriamente visitar a Ucrânia.
A minha colega Mariana Schreiber conversou com o cientista
político Hussein Kalout, que disse Lula tem a Seu favor o fato de ter credenciais democráticas
perante o mundo, em contraste com seu antecessor, Jair Bolsonaro.
Em sua opinião, entre aspas: “Esse momento de
aparente estremecimento é absolutamente superável Porque há uma convergência maior de agenda e
complementaridade mais aguda de interesses entre Lula e Europa e o governo Biden.”
É um assunto que a gente vai
continuar a acompanhar por aqui.
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