A época em que ser alegre era malvisto — e o início da busca moderna pela felicidade
Houve um tempo na história da humanidade
em que demonstrar alegria pegava mal. Aliás, a busca pela felicidade é algo relativamente
novo na nossa história. Eu sou Paula Adamo Idoeta, da BBC News Brasil,
e detalho aqui cinco pontos sobre da minha Conversa com o historiador Peter Stearns,
que pesquisou a história da felicidade – ou Da curiosa relação humana com esse conceito. Bom, talvez você associe felicidade a conforto,
fama, um carrão na garagem. Será? Um ponto que tem despertado discussões entre
historiadores é se os seres humanos podem Ter perdido felicidade durante uma fase crucial
da sua evolução: quando deixaram de ser Caçadores-coletores nômades e começaram
a criar sociedades sedentárias e agrícolas. Ou seja, bem quando os humanos começaram
a ganhar uma vida de mais previsibilidade E conforto. É claro que não temos como perguntar a um
caçador-coletor daquela época se ele era Mais feliz do que um trabalhador agrícola,
mas os historiadores citam alguns pontos bastante Objetivos dessa transição do nomadismo pro
sedentarismo. Ao deixar a caça e a coleta, muita gente
passou a ter uma alimentação menos variada. As jornadas de trabalho ficaram mais longas. Vivendo em sociedades, as pessoas ficaram
mais suscetíveis a epidemias e a guerras. A desigualdade entre diferentes classes sociais
começou a ganhar forma. Será, então, que temos algo a aprender com
os caçadores-coletores? Dois aspectos da caça-coleta que merecem
nossa atenção hoje são, em primeiro lugar, é que havia muita solidariedade grupal
Eles operavam em pequenos grupos. Isso não significa que não havia tensão,
mas eles realmente dependiam uns dos outros E acho que há muitos indicativos de que estruturas
comunitárias melhoram a felicidade E um dos desafios da felicidade hoje é que,
para muita gente, estruturas comunitárias Estão enfraquecidas
(…) Em contrapartida, não podemos voltar A esse nível. Eles (caçadores-coletores) não tinham os
nossos confortos, nem mesmos níveis de saúde Que temos. Não há por que fingir que conseguiríamos
voltar (no tempo). Então precisamos encontrar nosso próprio
equilíbrio que funcione em um contexto moderno É claro que muitos avanços importantes para
o nosso bem-estar e alegria vieram junto com A revolução agrícola. Desde a criação de ferramentas mais sofisticadas
até casas mais sólidas e até mesmo a produção
De mais cultura, música e artes. Mas um ponto curioso destacado pelo Peter
Stearns é que as economias agrícolas também Facilitaram a produção de álcool. Alguns estudiosos acham que a bebida alcóolica
pode ter tido um papel em ajudar as pessoas A aliviar os fardos do novo sistema econômico. A ponto de as receitas de cerveja e destilados
terem sido algumas das primeiras coisas escritas Em várias civilizações antigas. Foi o início de uma complexa e também problemática
relação entre a bebida alcóolica e a busca Por bem-estar. Afinal, hoje se sabe dos problemas de saúde
ligados ao abuso do álcool. E os impactos na saúde mental, piorando condições
como depressão e ansiedade – e que afetam, é claro, a felicidade. Vou aproveitar a deixa para falar da busca
pela felicidade, algo tão importante hoje Nas sociedades ocidentais. Mas nem sempre foi assim. Até o início do século 18, registros históricos
em lugares como Reino Unido e América do Norte, mostram que as pessoas tinham orgulho
de serem um pouco melancólicas. Tinha a ver, em parte, com a lógica protestante,
de ter consciência dos seus pecados e de Se manter humilde perante os olhos de Deus. Isso não quer dizer que as pessoas fossem
infelizes – simplesmente não temos como julgar Isso a partir dos nossos padrões atuais. Até porque a felicidade, você sabe, é algo
bastante subjetivo. Mas sim quer dizer que as pessoas se sentiam
obrigadas a se desculpar por momentos de grande Felicidade, por achar que eles eram uma afronta
a Deus. Isso mudou drasticamente no século 18, a
ponto de, na redação da declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776,
a busca pela felicidade ter sido considerada Um direito humano. A Constituição da França criada na esteira
da Revolução Francesa também exaltou a Ideia de que, entre aspas, “o objetivo da
sociedade é a felicidade comum”. Até os dentistas, que até então se encarregavam
só de arrancar dentes doloridos, passaram A desenvolver a habilidade de cuidar dos sorrisos
das pessoas. Novidades como escovas de dente e batons começaram
a atrair consumidores. E o que levou a uma mudança tão grande na
relação social com a felicidade? O Peter Stearns lista algumas hipóteses.
Sabemos parte da resposta. Houve, obviamente, uma enorme mudança no
clima intelectual nas sociedades ocidentais, Associada ao Iluminismo
Os intelectuais se tornaram mais otimistas. Eles ficaram mais focados neste mundo, em
vez de em uma aspiração tão religiosa Então a mudança no contexto cultural estava
intimamente ligada à ascensão de um interesse Maior em uma expectativa de felicidade
(…) Houve um aumento nas classes sociais Mais altas. Houve aumento nos níveis de conforto e prosperidade. Então mais conforto físico provavelmente
criou uma sensação maior de otimismo Mas essa foi uma grande mudança cultural,
e não acho que está totalmente claro por Que ela aconteceu. Então é uma boa pergunta O fato é que essa mudança cultural foi tão
significativa que criou uma certa obsessão Com a felicidade – a ponto de muitos de
nós termos desenvolvido dificuldades em lidar Com a tristeza. Certamente há um aspecto do interesse moderno
na felicidade que provavelmente nos tornou Intolerante à tristeza
Há alguns estudos, por exemplo, (mostrando Que) não lidamos bem com crianças que estão
tristes , porque queremos que as crianças Sejam felizes
Então eu acho que, francamente, há um problema Nisso
Uma definição bem-sucedida de felicidade Tem de permitir espaço para um pouco de pesar
e tristeza Mas acho que nossas culturas não lidam bem
com isso. Somos impacientes com o luto Outra coisa interessante é que, assim que
as nossas sociedades começaram a se interessar Mais pela busca da felicidade, também passaram
a associar isso ao amor romântico, baseado Nos relacionamentos amorosos e no casamento. Essa idealização ainda motiva tantos filmes,
canções, poemas, e mobiliza tanto a nossa Vida. O problema, na visão do historiador, é que,
mais uma vez, as pessoas foram desenvolvendo Expectativas irreais a respeito dessa felicidade
romântica. Na Inglaterra do século 19, por exemplo,
havia uma enorme pressão sobre escritores De ficção para que escrevessem finais felizes
Por que queremos finais felizes no que lemos? Acho que é provavelmente verdade que ficamos
insatisfeitos com histórias sem final feliz Não acho isso totalmente saudável.
Tentar encontrar um equilíbrio entre expectativa
e realidade é outra parte complexa deste Tipo de análise
Pra finalizar, depois de tudo o que discutimos Aqui, você consegue descrever o que é a
felicidade? O Peter Stearns descreve como uma espécie
de reforço emocional para ações que trazem Bem-estar. E que tem impactos físicos e sociais também:
a felicidade ajuda a baixar a pressão sanguínea E, de modo geral, ajuda as pessoas a se relacionarem
melhor entre si. Um exemplo simples: sorrir é, no contexto
moderno, uma forma de fazer contato com pessoas Desconhecidas. A filosofia também deu muitas contribuições
para entendermos a felicidade. A ideia mais imediatista, de simplesmente
aumentar o prazer e evitar sofrimento, é Chamada de felicidade hedônica. Já a felicidade eudaimônica é a que vem
de relacionamentos pessoais positivos ou do Orgulho e sensação de dever cumprido depois
de um trabalho importante, por exemplo. Muitos psicólogos acabam vendo a felicidade
como uma combinação dessas duas visões. Mas as formas como tudo isso se manifesta
mudam a cada sociedade, e a cada tempo, criando Diferenças culturais muito curiosas que colocam
em perspectiva os famosos rankings de felicidade. Os russos não parecem ter expectativa de
felicidade da mesma forma que os ocidentais Os japoneses não se saem muito bem em rankings
internacionais de felicidade, considerando O quanto eles são prósperos e saudáveis
Mas isso reflete uma cultura diferente. A forma como pensamos na felicidade no Ocidente
tende a ser altamente individualista Os japoneses têm um senso maior da importância
da coesão comunitária. Então é difícil dizer: será que os japoneses
são menos felizes que os ocidentais? Ou eles simplesmente veem a vida de um jeito
um pouco diferente? Provavelmente um pouco de ambos
A situação da América Latina é fascinante Porque os latino-americanos costumam se sair
muito bem em (rankings de) felicidade em comparação Com seus níveis gerais de economia e saúde
Então parece haver algo na cultura latino-americana Que desencadeia uma expectativa bastante alta
de felicidade e um nível alto de realização E as variações culturais são fascinantes
e não correspondem exatamente ao nível de Desempenho econômico
O legal é que entender a história humana Com a felicidade traz lições interessantes
sobre o que, de fato, costuma fazer as pessoas Felizes. Muita ênfase no prazer provavelmente não
é muito sensato, particularmente à medida Que você avança em vários estágios da
vida
O que você quer é dar ênfase às conquistas,
e não digo de uma perspectiva de status Mas sim de contribuir para a sociedade, ter
uma sensação de que a sua vida valeu para algo Esse é provavelmente o objetivo mais importante Outra coisa é não se preocupar demais com
isso (a felicidade) A pressão para ser feliz corre o risco de
ser contraproducente Você pode pensar sobre isso mais do que deveria. Não acho que as pessoas nunca devam se perguntar,
‘sou feliz?' Mas não devem fazer isso com frequência
demais Não é realista. Vamos manter nossas aspirações mais modestas
Com isso eu fico por aqui. Conta aqui nos comentários o que é felicidade
para você. Obrigada e até a próxima.