4 desafios de Lula no início do novo governo
Eleito numa vitória apertada contra Jair
Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva toma Posse para seu terceiro mandato com desafios
importantes pela frente. Eu sou Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil,
e neste vídeo eu explico quatro deles. Vamos logo ao primeiro: cumprir a promessa
de ampliar os gastos sociais. E ao mesmo tempo em que reorganiza as contas
públicas. Esse problema não é de hoje. Em 2016, na tentativa de segurar as despesas,
o Congresso aprovou o chamado Teto de Gastos. O problema é que essa regra tem sido descumprida
ano a ano – no governo Bolsonaro, foram Gastos 796 bilhões de reais acima do limite,
segundo cálculo do economista da FGV Bráulio Borges. Com Lula não vai ser diferente. A pedido dele, o Congresso aprovou em dezembro
uma autorização para o governo gastar quase 168 bilhões de reais acima do teto em 2023. Com esse dinheiro, vai ter mais recursos para
obras, o Bolsa Família e outros gastos sociais Como o programa Farmácia Popular. Essa autorização foi aprovada por meio de
uma emenda constitucional, a chamada PEC da Transição. Ela também prevê que até agosto o governo
envie ao Congresso uma nova proposta de regime Fiscal para substituir o Teto de Gastos. Ou seja, a ideia é ter novas regras que regulem
o aumento das despesas, já que o teto se Mostrou ineficiente na prática. Para Braulio Borges, a PEC da Transição
não foi uma boa sinalização para o rumo Das contas públicas. Na avaliação dele, o problema não está
no aumento de gastos isoladamente, mas no Fato de até agora o governo não ter indicado
como vai elevar as receitas para cobrir essas Novas despesas. Sem isso, os gastos vão ser pagos com mais
endividamento público. E quando a dívida aumenta, costuma subir
também a taxa básica de juros da economia, O que dificulta o crescimento e a geração
de emprego. Para Borges, uma forma de o governo sinalizar
compromisso com o equilíbrio fiscal seria Rever cortes de impostos adotados por Bolsonaro,
como a redução do IPI de diversos produtos Industrializados e os cortes do PIS Cofins
sobre combustíveis. Ele estima que a reversão dessas duas medidas
significaria uma receita anual de cerca de 80 bilhões de reais.
O economista da FGV acredita que medidas como
essa podem melhorar a confiança do mercado E da sociedade na capacidade do governo pagar
sua dívida, o que ajudaria a reduzir o dólar, Que hoje vale mais de 5 reais. E esse recuo traria alívio para a inflação,
barateando itens como combustíveis e alimentos, Cujos preços são impactados pela cotação
internacional do petróleo e de commodities. Não fosse toda essa discussão da PEC, da
tradicional maneira como foi, caminhava todos Os pontos que eu citei para você, a taxa
de câmbio hoje no Brasil já poderia estar Em R$ 4,80, R$ 4,90. A gente estaria vendo um alívio da inflação,
um alívio praticamente imediato. Mas não é tão simples fazer isso. No curtíssimo prazo, tirar o subsídio que
Bolsonaro deu para baratear os combustíveis Vai ter como efeito… uma subida imediata
de preços. E isso não costuma ser bem recebido principalmente
pelos caminhoneiros que, em várias ocasiões, Reagiram com paralisações em todo país. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu adotar Medidas para melhorar as contas públicas
já no início do governo. Ele disse que vai rever, abre aspas, “desonerações
e benesses que foram dadas eleitoralmente E que não têm base técnica nenhuma”. Minha colega Mariana Schreiber conversou também
com a Clara Marinho, que integrou a equipe De transição do governo eleito e é analista
de planejamento e orçamento do Ministério Do Planejamento. Ela considera que um desafio é garantir que
as despesas públicas de fato atendam os grupos Mais pobres e historicamente excluídos, como
a população negra. Ela cita como exemplo o esperado reajuste
de bolsas para pesquisadores. Não adianta aumentar o valor das bolsas,
se o desenho das oportunidades ele não tá Feito para acolher pessoas negras, pessoas
pobres. Então, eu vejo esse como o desafio fundamental
de ao mesmo tempo fazer a recomposição de Gastos de políticas públicas que afetam
a qualidade de vida das pessoas, que afetam A estrutura de oportunidade e de usufruto
de direitos, permitir que haja um desenho Que garanta que essas pessoas não estarão
excluídas depois de um ciclo de quatro anos De governo. Segundo desafio, a relação com o Congresso. Construir uma base no Senado e na Câmara
é fundamental para qualquer presidente, porque Muitas das políticas pr. opostas pelo governo
precisam de aprovação de deputados e senadores.
E também é importante para barrar eventuais
tentativas de impeachment. Lula já enfrentou esse desafio em seus dois
primeiros governos. O escândalo do mensalão, que estourou em
2005, estava relacionado à distribuição Ilegal de recursos entre partidos aliados
para garantir apoio no Congresso. Essa foi a conclusão do Supremo Tribunal
Federal quando julgou o caso e condenou políticos Do PT e de partidos da base aliada de Lula. Cientistas políticos avaliam que hoje o cenário
é ainda mais desafiador. Segundo Beatriz Rey, que estuda o Poder Legislativo,
o Congresso se fortaleceu na relação com Executivo, em especial a partir do governo
de Dilma Rousseff, que acabou derrubada por Um impeachment. Já no governo Bolsonaro, o Congresso passou
a gerenciar dezenas de bilhões do Orçamento Federal por meio das emendas do relator-geral,
o Orçamento Secreto. Foi esse arranjo que garantiu uma base forte
para Bolsonaro a partir de 2020. Em dezembro, o STF considerou inconstitucional
essa destinação de recursos de forma pouco Transparente por parlamentares. E acabou com o Orçamento Secreto. Com isso, o Congresso redistribuiu os 19,4
bilhões de reais que estavam previstos para Essas despesas em 2023. Metade foi para as emendas individuais, por
meio das quais o recurso é distribuído de Forma transparente e igualitária entre os
congressistas. E a outra metade voltará para gestão dos
ministérios, sendo administradas pelo governo A partir de pedidos dos parlamentares. Ou seja, no Orçamento Secreto era o Congresso
que decidia sozinho onde os recursos seriam Aplicados, enquanto o governo só ditava o
ritmo de libração do dinheiro. Nessa outra modalidade, o governo vai ter
palavra final sobre como será gasto o dinheiro, Após pedidos de deputados e senadores. Para Beatriz Rey, esse mecanismo vai ser importante
para Lula formar sua base no Congresso. Assim como a nomeação de aliados políticos
para o comando de ministérios e outros cargos Da máquina federal. O presidente cedeu pastas importantes para
partidos da centro-direita, como PSD, União Brasil e MDB. Outro aspecto desafiador é a composição
do Congresso. Apesar da derrota para Lula, Bolsonaro conseguiu
eleger muitos aliados para o Legislativo. Em especial, o Senado vai ter uma forte bancada
de oposição, com ex-integrantes da gestão
Bolsonaro, como Damares Alves, Hamilton Mourão,
Sergio Moro e Marcos Pontes. Realmente é um dos maiores desafios se não
for o maior desafio que o governo Lula vai Ter. Isso porque a gente sai do governo Bolsonaro
com o Congresso mais fortalecido, mas também Porque a composição ideológica desse Congresso
pende para a direita, e este governo pende Para a esquerda. E isso nos leva ao terceiro desafio: como
governar numa sociedade tão dividida? A eleição de 2022 viu algo inédito. Uma parte dos eleitores de Bolsonaro que não
aceitou a derrota bloqueou rodovias e acampou Em frente a quartéis pedindo um golpe militar. Houve até episódios de vandalismo em Brasília,
além de ameaças de bomba dias antes da posse. O novo ministro da Justiça, Flavio Dino,
já deu declarações prometendo ações duras De repressão contra os envolvidos no que
ele chamou de “terrorismo político”. Além disso, já anunciou como prioridade
reverter medidas do governo Bolsonaro que Facilitaram o acesso a armas. Além da repressão a grupos violentos, estudiosos
do bolsonarismo dizem que Lula deveria buscar Reduzir a resistência dos segmentos mais
conservadores da sociedade ao novo governo. Para o professor da USP Pablo Ortellado, isso
ajudaria a enfraquecer o bolsonarismo. Na sua visão, existem “cascas de banana”
que mobilizam muito os bolsonaristas, como A relação histórica do PT com alguns governos
autoritários. Ele cita como saída a adoção de uma postura
mais crítica com governos de Cuba e Venezuela, Como tem feito outras lideranças de esquerda
da região, como o presidente do Chile, Gabriel Boric. Ortellado também diz que o governo se beneficiaria
de desenvolver políticas públicas com uma Abordagem mais técnica, sem uma carga simbólica
que dispare reações conservadoras em temas Sensíveis, como pautas feministas e LGBT. Para a cientista política Nara Pavão, também
é fundamental que o governo mantenha o espírito De frente ampla que o elegeu e que marcou
a composição inicial do ministério, abrigando Diferentes forças políticas, para além
da esquerda. Ou seja, se descolar da ideia que predomina
na direita extremista, de que o PT é um partido De extrema esquerda, e que Lula vai implantar
o comunismo. Então, que o que o governo pode fazer é
tentar se descolar dessa imagem, desse estigma Que a esquerda tem, tentar agradar ou pelo
menos apaziguar os ânimos dos grupos que Estão polarizados, sem obviamente alienar
o grupo que o elegeu.
Lula tem de fato o apoio da esquerda. Mas ele vai tentar costurar mais ao centro. Para fechar, vamos falar do desafio de reduzir
a influência das Forças Armadas na política. Os militares ganharam um poder enorme no governo
Bolsonaro, como não se via desde a Ditadura Militar, que acabou em 1985. O agora ex-presidente nomeou militares para
comandar ministérios-chave como Casa Civil E Saúde. E para ocupar outros milhares de postos civis
na máquina federal. Além disso, envolveu de forma inédita os
militares na fiscalização das eleições. Segundo especialistas, os militares, por serem
o braço armado do Estado, devem ter um papel Neutro na política, cuidando apenas da proteção
do país frente a ameaças externas. Lula escolheu para ministro da Defesa José
Múcio Monteiro, primeiro civil a comandar A pasta em cinco anos. Ele pode ser considerado um outsider da Defesa,
porque não fez carreira na área. Mas é conhecido por dialogar bem com civis
e militares, conservadores e progressistas. Estudioso das Forças Armadas, o professor
da Universidade de Brasília Juliano Cortinhas Considera positiva a volta de um civil à
Defesa. Segundo ele, a função da pasta não é representar
os interesses das Forças Armadas no governo. Seria justamente o contrário: impor às Forças
Armadas a vontade política do governo eleito Na área de Defesa. O professor critica, porém, os nomes escolhidos
para comandar as três Forças: Exército, Marinha e Aeronáutica. Lula e Múcio optaram por manter a tradição
de priorizar os oficiais-generais mais antigos, Num gesto visto como um aceno aos militares. Claramente as Forças Armadas estão usando
esses pedidos, usando os acampamentos, como Uma forma de se posicionar no jogo político. E se colocando politicamente desse modo, elas
estão ganhando espaço. Tanto que conseguiram a nomeação dos comandantes
de Força que queriam. O Lula nomeou os mais antigos, quando, na
minha opinião, deveria ter nomeado aqueles Mais comprometidos com a volta aos quartéis,
com a saída a política, com a desconexão Ideológica das Forças com a extrema direita. Outros especialistas, porém, avaliam que
Lula está em terreno delicado e precisa mesmo Agir com cautela. Nesse sentido, a escolha por antiguidade dos
novos comandantes seria um caminho mais seguro
Para retomar o diálogo com as Forças Armadas. Bom, eu fico por aqui. A gente vai acompanhar tudo isso de perto. Obrigada e até a próxima.