100 dias de Lula: diferenças e semelhanças com início de Bolsonaro
Em cem dias na presidência, Luiz Inácio Lula da
Silva adotou mudanças profundas em relação ao Início do governo Jair Bolsonaro. Mas
enfrenta alguns problemas parecidos. Eu sou Mariana Schreiber, repórter da BBC
News Brasil em Brasília, e nesse vídeo eu Explico as diferenças e semelhanças em quatro
temas: relação com Congresso e STF, economia, Política externa e apoio popular.
Começando com Congresso e STF. O governo Lula começou num contexto inédito
de pedidos de golpe por parte de apoiadores Mais radicais de Bolsonaro, que culminaram na
invasão e depredação do Palácio do Planalto, Do Congresso Nacional e do Supremo
Tribunal Federal no dia 8 de janeiro. A cientista política Lara Mesquita me disse
que o episódio reforçou uma diferença marcante Entre Lula e Bolsonaro: a busca do diálogo em
vez de embates com Legislativo e Judiciário. Um dia após os ataques, Lula cruzou a Praça
dos Três Poderes ao lado de ministros do STF, Parlamentares e governadores, numa
imagem que cristalizou o clima de união Em defesa das instituições democráticas.
Na visão da pesquisadora, os ataques Serviram também para reforçar a retirada dos
militares de cargos civis. Após uma postura Inicial de conciliação com as Forças Armadas,
Lula decidiu trocar o comando do Exército, Nomeando o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva
com a missão de despolitizar os quartéis. Vale lembrar que o estilo conflituoso e
o protagonismo militar marcaram o governo Bolsonaro já nos seus cem primeiros
dias. No início, havia mais tensão na Relação com o Congresso do que com o STF.
Embora tivesse sido deputado por quase Três décadas, o ex-presidente se colocava
como contrário à “velha política” e fazia Críticas ao uso de indicações de partidos
para cargos em troca de apoio parlamentar, Que chamava de “toma lá dá cá”.
Naquele momento inicial, Os ataques à classe política e ao Parlamento
levaram a embates com o então presidente da Câmara Rodrigo Maia, que chegou a acusar
Bolsonaro de brincar de presidir o país. Mas apesar da diferença de estilo, Lula e
Bolsonaro chegaram aos cem dias com um problema Em comum: a falta de uma base sólida.
A postura de Bolsonaro em relação aos Parlamentares mudaria a partir de 2020,
com o aumento do risco de um processo De impeachment. No ano seguinte, nomeou
Ciro Nogueira, senador e presidente do PP, Para comandar a Casa Civil. E distribuiu
outros cargos para partidos em troca de apoio. Além disso, a distribuição de verbas
federais para parlamentares aliados Investirem em suas bases eleitorais, no
que ficou conhecido como Orçamento Secreto, Permitiu construir uma base no Congresso com
ajuda do novo presidente da Câmara, Arthur Lira. Lula, por sua vez, já assumiu com o discurso de
valorizar as indicações partidárias e o diálogo Com o Congresso. Preferiu, por exemplo, apoiar
a reeleição de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira
No comando do Senado e da Câmara, relevando a
forte aliança que havia entre Lira e Bolsonaro. Também tentou atrair partidos de centro-direita
para a base do governo. União Brasil, MDB e PSD indicaram três ministros cada
um. Por enquanto, porém, essas siglas não Garantiram apoio integral ao Planalto.
Para o cientista político e professor Creomar de Souza, isso reflete a decisão
de Lula de concentrar um número grande de Ministérios importantes, como Fazenda,
Casa Civil e Educação, nas mãos do PT, Em vez de compor uma Esplanada com mais cara de
frente ampla, como foi sua campanha eleitoral. Ele nota que o partido do presidente tem
menos de 15% das cadeiras do Congresso, Mas ocupa quase um terço dos ministérios.
Já a Lara Mesquita, da FGV, avalia que A dificuldade de Lula em montar sua base
decorre mais da fragilidade dos comandos Partidários hoje, após uma série de fusões
e reestruturações de siglas importantes, Como o caso do União Brasil, que uniu DEM e PSL.
O governo Lula deve repetir a estratégia da Gestão anterior e tentar garantir votos
no Congresso direcionando verbas para Investimentos nos redutos parlamentares.
O Orçamento Secreto – em que lideranças Do Congresso definiam a destinação de bilhões
de reais a serem liberados pelo governo sem Transparência – foi proibido pelo STF.
Com isso, R$ 9,8 bilhões que iriam para Essa despesa neste ano voltaram
para a gestão de ministérios. O governo pretende continuar liberando essa verba
a partir da negociação com deputados e senadores, Mas diz que dará total transparência aos gastos.
Agora, a economia. Nessa área, o início de Lula traz grandes
diferenças. Sai o discurso pró privatizações E menos impostos, e entra a defesa de
mais gastos sociais e mais tributos. É verdade que Bolsonaro acabou abandonando
em parte o discurso da austeridade fiscal, Seja devido aos gastos emergenciais
para enfrentar a pandemia, seja para Elevar benefícios sociais no ano eleitoral.
Mas a gestão Lula já assumiu com o propósito Claro de substituir o teto de gastos por novas
regras que permitam cumprir a promessa de mais Recursos para serviços públicos e investimentos.
Por outro lado, o ministro da Fazenda, Fernanda Haddad, pressionado a tirar as
contas públicas do vermelho, propõe taxar Setores que hoje não pagam impostos, como sites
de apostas esportivas e de compras no exterior. O desafio de conciliar mais gastos e
equilíbrio fiscal tem gerado disputas Internas dentro do próprio governo e do PT.
Por outro lado, a administração Lula tem se Mostrado unida no propósito de pressionar o
Banco Central a baixar os juros. Mas o atual Presidente do BC, Roberto Campos Neto, nomeado
por Bolsonaro, tem mandato até o final de 2024. As fortes críticas de Lula ao BC levaram à
reação de economistas liberais que apoiaram O petista na eleição, como Armínio Fraga e
Henrique Meirelles. Na visão deles, a pressão
Tem o efeito inverso de piorar as expectativas
de inflação, dificultando a queda dos juros. Vamos à política internacional.
Logo que assumiu, Bolsonaro adotou Uma controversa guinada na política externa,
substituindo o tradicional multilateralismo Brasileiro por um maior alinhamento com os
Estados Unidos, então governado por Donald Trump, e outros países comandados por líderes
conservadores de direita, como Hungria e Israel. Por outro lado, entrou em embate direto com
líderes de nações tradicionalmente amigas, Como Argentina e França, além de se indispor
com o maior parceiro comercial brasileiro, A China, insinuando sem provas que o país
teria criado o coronavírus em laboratório. Essa diretriz perdurou durante todo o governo
e acabou provocando um isolamento do Brasil, Intensificado pela repercussão negativa
da alta no desmatamento da Amazônia. Um retrato disso foi a decisão de Bolsonaro de
faltar à última reunião do G20, realizada em Novembro, após sua derrota na eleição.
Em contraste, e antes de tomar posse, Lula participou naquele mesmo mês da COP27, a
conferência da ONU sobre mudanças climáticas, Quando reforçou compromisso
com a preservação da Amazônia, Tema caro a líderes de grandes potências.
Em sua primeira viagem internacional como Presidente, visitou dois vizinhos: Argentina,
do presidente de esquerda Alberto Fernández, E Uruguai, do presidente de
direita Luis Lacalle Pou. A previsão era visitar também as duas
maiores potências mundiais antes dos cem Dias. Em fevereiro, foi aos Estados Unidos. Já
a viagem à China, marcada para o final de março, Foi adiada para abril porque Lula teve pneumonia.
Especialistas têm apontado a crescente polarização Entre Estados Unidos e China como
o grande desafio externo de Lula. Um ponto especialmente sensível é a
guerra da Ucrânia. Enquanto o Ocidente, Liderado pelos EUA, condena a invasão russa
e adotou sanções econômicas contra Moscou, A China tem mantido uma boa relação com Vladimir
Putin e é o maior parceiro comercial russo. Lula tem buscado manter o Brasil numa posição
de neutralidade e inclusive tenta participar Da mediação de um acordo de paz. Uma
iniciativa que é vista com ceticismo. Hussein Kalout e Feliciano Guimarães, do
Centro Brasileiro de Relações Internacionais, Escreveram isso num artigo recente:
“Uma coisa é ter uma posição sobre a Guerra em nível multilateral e outra é tentar
mediar um conflito muito intrincado, no qual O Brasil tem capacidade limitada de
influenciar os acontecimentos locais”. Outra guinada em relação ao governo Bolsonaro
foi a retomada das relações diplomáticas com A Venezuela. A intenção do Itamaraty é
manter diálogo com o governo de Nicolás Maduro e a oposição, mirando a realização
de eleições limpas em 2024. O que críticos E especialistas acham difícil que ocorra por lá.
Essa aproximação pode gerar desgaste para Lula,
Constantemente criticado pela relação amigável
que as gestões petistas mantiveram com governos Autoritários de esquerda.
Último ponto do vídeo: Apesar das muitas diferenças,
Lula também completa cem dias Sem conquistar o apoio da maioria da população.
Segundo pesquisa Datafolha do final de março, 38% avaliam o governo como bom ou ótimo. Outros
30% consideram sua administração regular, enquanto 29% dizem que a gestão Lula é ruim ou péssima.
Quando comparamos o início dos três governos de Lula, é o pior desempenho dele.
Já na comparação Com o antecessor, melhora um pouco. Bolsonaro
completou três meses aprovado por 32% da população E rejeitado por 30%. Para 33%, era regular.
Segundo a cientista política Lara Mesquita, O resultado mais fraco de Lula no
seu terceiro mandato reflete a forte Polarização na última eleição. Ou seja, há um
setor da sociedade que rejeita fortemente o Petista e não mudará de opinião facilmente.
Na sua visão, a melhora da aprovação vai Depender do desempenho da economia e de
como o governo vai conduzir a delicada Agenda de costumes, que mobiliza uma
parte importante do eleitor conservador. Já o cientista político Creomar de Souza diz
que criar uma agenda nova que dialogue com essa Sociedade dividida é um desafio para o governo.
Ele lembra que, até o momento, a gestão Lula Tem sido marcada pelo relançamento de
antigos programas sociais do PT, alguns Exitosos, como o Bolsa Família, e outros mais
questionáveis como o Minha Casa Minha Vida. É isso! Espero que esse vídeo tenha ajudado você
a entender melhor os cem primeiros dias de Lula. Vamos seguir de perto os
próximos passos do governo. Obrigada pela audiência e até a próxima.